quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

TOP 5 DISCOS DO RUSH

Moving pictures
Grace under pressure
Counterparts
Permanent waves
A farewell to kings

domingo, 28 de dezembro de 2014

ANVIL - FORGED IN FIRE



Quantos discos você já escutou em sua vida que foram engavetados depois da primeira audição? E quantos discos você já escutou que, por anos e anos, tornou a repetir a experiência, sendo que, a cada vez, parece ser a primeira? Cada vez é descoberto algum detalhe da música que você não tinha percebido antes?
Forged in Fire, clássico-mor do Anvil e do heavy metal em geral. Disco lançado em uma época em que a banda possuía tanta evidência quanto as demais que surgiram em sua geração. Disco que veio logo após outro grande clássico, Metal on Metal, superando-o por pouco, mas compondo junto com ele o que viria a ser a base do repertório das apresentações do Anvil a partir de então.
Forged in Fire, música que inicia o disco com pancadas tão contundentes quanto as de um martelo, vencido pela resistência da bigorna. Lenta – sem ser arrastada – e ameaçadora, com o grunhido dramático de Lips, carregado de vibrato, e com um de seus melhores solos, culminando em um crescendo sincronizado em perfeição com a base. Lips é um guitarrista de mão cheia e tem um estilo inconfundível de tocar. Nessa época ele estava no auge de sua performance e criatividade, com uma assinatura tão personalizada em seus solos que é possível identificá-lo em poucas notas. Sempre que ele intervem, é carregado de feeling absoluto. Não poderia ser de outra forma: Lips era – e é até hoje – um garoto no corpo de um adulto. Um fã que conquistou o direito de usufruir desse espaço chamado palco, por onde todos os seus ídolos passaram. Daí toda a sua empolgação e perseverança, que nunca desvanecem.
Não dá pra deixar de mencionar também Robb Reiner, um dos melhores bateristas de todos os tempos, tão talentoso quanto injustiçado. Dá pra escutar o disco inteiro prestando atenção apenas em seus acompanhamentos, suas viradas e vibrar com a mesma intensidade. Posso dizer, sem exagero, que Robb é o baterista de metal que mais se aproxima do legado de Keith Moon. Para comprovar, basta ouvir o que ele faz em Shadow Zone. É redundante dizer que esta é uma das melhores do álbum, pois todas tem um padrão proporcional à qualidade de vida no Canadá. Shadow Zone traz a velocidade para o disco e dá a deixa para a melhor música da banda – e uma das melhores já feitas no metal, a faixa seguinte que é...
Free as the Wind. Um riff simples, direto e empolgante, uma letra carregada de paixão pelo estilo. Um hino. Um épico. Um clássico. A principal faixa da trilha sonora de minha jornada nessa existência. Para a maioria talvez seja uma música boa e nada mais. Eu compreendo, mas para mim foi algo como os rompantes de paixão que permeiam a literatura. Ouvi a primeira vez e nunca mais a tirei da cabeça.
Never Deceive Me, cantada pelo guitarrista Dave Allison, poderia ser considerada o momento comercial do disco, mas o peso das guitarristas fazem o devido contraponto com a voz mais suave de Dave. É a música mais diferente do álbum, mas cai com perfeição entre Free as the Wind e o ritmo empolgante da próxima, Butter-Bust Jerky.
O que seria o lado B, começa com Future Wars. Outro clássico maravilhoso, outro momento antológico, uma faixa de metal tradicional de um disco que passa por todos os climas, desde o metal clássico de Future Wars, passando pelo hard metal de Hard Times Fast Ladies, o hard rock de Make it Up to You, até chegar ao thrash porrada de Motormount, onde praticamente não há variações de ritmo, não há espaço para respirar. É um disparo certeiro tocado em um fôlego só.
O disco encerra com Winged Assassins, com uma boa entrada de baixo de Ian Dickson, que hoje se dedica a confeção de action figures. A música transmite a perfeita sensação de submissão perante um ataque aéreo indefensável, conforme descrito na letra.

Esse é Forged in Fire. Isso não é um mero título, não é apenas um simples jogo de palavras. O filme que resgatou a carreira do Anvil foi fundamental, é claro, mas a banda teria prosseguido independente dele por que o Anvil foi realmente forjado no fogo! E todos que foram atingidos por esse fogo  carregam, para sempre, a marca deixada por ele. Eu sei disso porque, desde que escutei esse álbum, há quase trinta anos atrás, bate no meu peito um coração em formato de bigorna...

PICTURE - ETERNAL DARK



Nada que seja significativo fica restrito a um determinado tempo ou espaço. A NWOBHM, por exemplo. Pela sua relevância, ela deixou de ser um fenômeno específico da Inglaterra do começo dos anos 80. Tanto que um dos melhores discos do estilo foi gerado em outro país, na Holanda, em 1983.
Eternal Dark, do Picture é outro daqueles casos de discos que miraculosamente foram lançados no Brasil. E que disco! Não é thrash, power, black, death, ou sei lá o quê. É heavy metal. Puro, simples e autêntico heavy metal! Da melhor categoria. Sabe aqueles riffs que, vez por outra, você identifica em várias músicas de bandas diferentes? Estão todos aqui. E é por isso que é bom. Heavy metal é isso, não é querer reinventar a roda, forçando elementos desnecessários em uma música até deixá-la desinteressante.
Em vários momento do disco é perceptível uma influência muito forte de Saxon. As introduções de Griffons Guard the Gold e Make You Burn remetem diretamente ao grande ícone bretão. A tendência inglesa do som também não é completamente um acaso ou fruto da influência. O vocalista Pete Lovell, que estreou nesse álbum, é natural da ilha. Aliás, pode-se dizer que o Picture teve muita sorte com seus vocalistas, pois Shmoulik Avigal, que gravou o também clássico Diamond Dreamer, era igualmente excelente.
Tanto à época desse disco, quanto atualmente, os únicos membros originais da banda eram os integrantes da cozinha, o baixista Rinus Vreugdenhil e o baterista Laurens Bakker. São bons músicos, evidentemente, apesar de não fazerem nada extraordinário (e nem isso é um demérito), mas souberam conduzir bem a banda e sempre se cercaram de outros músicos de igual quilate. No Picture nunca houve um membro que ofuscasse os demais. A qualidade da banda é baseada na força do coletivo e é isso que se percebe em suas canções.
Quem poderia mencionar um exemplo de simplicidade e força tão eficaz quanto o da faixa-título? Ela não tem nada de inusitado. São basicamente duas linhas melódicas: o riff principal -  que também é a base de voz - que soa tal qual o ritmo de uma marcha, e o refrão espetacular,  e ainda assim é, certamente, uma das melhores músicas já feitas nesse estilo.
A já citada Make You Burn é outro destaque do disco. É a terceira música do disco e seu ritmo mais compassado não significa que foi dado ao ouvinte um tempo para descanso. Cada faixa que se segue vai mantendo o interesse em alta. A música The Blade tem algo que me faz lembrar de Twisted Sister em seu andamento. Aqui e ali, em outros momentos do disco, escuto algo que soa como Omen. Tantas comparações não significam falta de originalidade, e sim que havia uma sintonia entre os grupos da época. Era uma geração de bandas que faziam música boa e direta, lhe pegavam pelo pescoço e lhe diziam para deixar de frescura, porra. Battle for the Universe e Power of Evil seguem o mesmo padrão, demonstrando que havia um foco nas composições, um direcionamento claro e definido.

Hoje é difícil localizar bandas novas que se arrisquem a fazer um som tão tradicional. Convenhamos que é necessário um talento peculiar para se arriscar nessa área. Uma coisa é conseguir arrancar o headbanging do público quando se toca a sei lá quantas batidas por minuto... Ter o mesmo alcance de satisfação, fazendo metal absolutamente tradicional, são outros quinhentos. Fazer metal clássico está se tornando uma arte perdida e talvez, por isso mesmo, quem ainda consegue ser bem sucedido nessa empreitada são os veteranos.

SLAYER - REIGN IN BLOOD



Até 1986, o metal vinha numa escalada de brutalidade, com cada lançamento sendo mais extremo do que o outro. Depois de 1986, evidentemente, essa escalada não parou, mas passou um período de stand-by, de estarrecimento do tipo “o-que-fazer-agora?”.
A causa foi o disco Reign in Blood. O Slayer já era cultuado pelo que tinha feito  até então, mas Reign in Blood revirou as regras do jogo e, quando me refiro ao estarrecimento provocado, não falo só de outras bandas, mas também do público. Demorou um tempo para que aquela nova proposta do grupo fosse devidamente absorvida. Enquanto bandas como Megadeth e Metallica estavam evoluindo no caminho de se tornarem mais técnicas, o Slayer evoluiu para a bestialidade.
Rob Halford disse que escutar o Slayer é como ouvir música em chamas. É uma definição perfeita, porém incompleta. A música do Slayer tem efeito multisinestésico. Escutar Angel of Death, precipuamente o ataque do refrão, transmite sensações não só de combustão, mas também de tremores sísmicos e impactos físicos.
Reign in Blood demonstrou que concessões não são o caminho para o sucesso. O Slayer se tornava mais popular a cada vez que extremava seu som. E para agregar peso a banda não precisava recorrer a recursos como afinações mais baixas, por exemplo. Bastava a velocidade absurda, com letras que apenas Tom Araya poderia cuspir de forma tão ríspida, marjeadas pelos solos peculiares de Hanneman/King - a versão infernal de Downing/Tipton - e as batidas do melhor baterista revelado pelo thrash, Dave Lombardo.
A introdução de Angel of Death, com as palhetadas preparando o terreno para a entrada do grito de Tom Araya simultâneo com o ataque da bateria é um daqueles momentos que desafiam a contenção. Por mais que se aumente o volume do som, ao escutar essa música, o máximo nunca é suficiente.
Outra constatação desse álbum é a de que criatividade não significa encher o disco com looongos minutos de música. Isso é uma idéia equivocada que veio com a popularização do cd. Quando os discos poderiam ter no máximo uns 40 minutos de duração, você tinha mais ânimo para ouvi-los repetidas vezes. No momento que os cd´s passaram a oferecer a disponibilidade para setenta e tantos minutos de capacidade, não faltou artista que, sob a falsa premissa de oferecer mais em troca do dinheiro dos fãs, entupiram seus trabalhos com qualquer resto de inspiração que tivessem. Discos que, se mais enxutos, poderiam ter se tornado novos clássicos, entraram para a história como aborrecimentos paquidérmicos. Reign in Blood nasceu com menos de trinta minutos e cada segundo é literalmente matador. Sem qualquer exagero, a música contida aqui não agride apenas pelo peso, velocidade, ou pelo vocal gritado, mas também pela aura maligna. A maioria das bandas thrash, tão agressivas quanto, transparecem apenas  violência em suas músicas, mas o Slayer vai além e exala tanto a violência quanto a obscuridade. Sem deixar de mencionar músicas que se eternizaram nas apresentações, tal qual Angel of Death e Raining Blood, e de outras essenciais como Altar of Sacrifice, eu tenho que destacar duas faixas pouco lembradas, que juntas somam apenas 4 minutos e meio, com andamentos e métricas bem distintos dentro da discografia da banda: Reborn e Epidemic.

Cada um dos três primeiros discos do Slayer é bem diferente do outro, mas cada um preserva o caráter da banda e, inevitavelmente, estabeleceu novos direcionamentos para o metal como um todo. Reign in Blood foi o seu ápice e, depois disso, não havia mais para onde ir. South of Heaven e Seasons in the Abyss são excelentes, mas não inovaram. Trouxeram novos clássicos, mas navegaram dentro da musicalidade criada até então e, por conta do resultado de Reign in Blood, todo novo trabalho passou a tê-lo como parâmetro. Se por um lado isso deve incomodar os artistas, por outro é um privilégio. É melhor ter um grande trunfo na discografia do que ter uma produção marcada apenas pela medianidade. E ser mediano, definitivamente, não é para aqueles quem reinam no sangue.

SCORPIONS - BLACKOUT


Eu sempre tive a impressão de que o conceito sobre o que vem a ser heavy metal sofreu modificações ao longo do tempo. Existem várias bandas que, no passado, recebiam essa nomenclatura, e hoje podem ser definidas, pelo consenso geral, com outros nomes. Tal percepção me parece se dar conforme a música vai avançando para níveis mais extremos. De maneira alguma eu vou ter o atrevimento de dizer o que é heavy metal. Não tenho gabarito para tanto. Mas, dentro da minha visão particular, considero que o Scorpions foi uma grande banda do estilo.
Esse preâmbulo justifica-se pelo fato de que quase ninguém se refere atualmente ao grupo alemão como uma banda de metal. Hard rock é a expressão que preferem usar para defini-los atualmente. Eu compreendo que pode parecer meio estranho juntar debaixo do guarda-chuva do metal bandas tão diferentes quanto Scorpions e Cannibal Corpse, por exemplo, mas, de novo, é uma questão não só de opinião e percepção individual de cada um, mas principalmente de perspectiva temporal. Se pegarmos o período de 1979 a 1982,  época em que o metal estava em processo de definição de suas características, impulsionado pelo desenvolvimento da NWOBHM, e que também corresponde ao período em que foi lançada a primeira trinca de discos do Scorpions com Matthias Jabs na guitarra, vemos que o grupo não fica atrás da concorrência em termos de desempenho. Diferenças de potencial sísmico sempre vão haver, mas isso não significa estar à parte do estilo.
A própria banda, aliás, se considerava heavy metal. Me lembro de uma entrevista antiga de Klaus Meine em que no meio de uma frase ele comentava “...bandas de heavy metal como a nossa...”. E não tem como eu discordar, quando escuto Blackout, o terceiro disco da trinca acima e que é, provavelmente, o que tem mais poder de fogo entre os três.
Blackout, cuja capa em vinil era tão chamativa e instigante nas prateleiras das lojas, veio ao mundo em um ano que nos deu também The Number of the Beast e Screaming for Vengeance, e contribui com pelo menos três músicas essenciais para a antologia do estilo: a faixa título, Now e Dynamite. Quando a primeira começa, não dá pra ficar indiferente a capacidade de Rudolf Schenker de executar uma base. As músicas parecem se caracterizar por riffs pontuados por acordes curtos, com golpes precisos nas cordas, sem espaço para ressoar antes do próximo acorde. A produção, que deixou o som das guitarras bem alto na mixagem, valorizou sobremaneira a sincronia da parte rítmica. Rudolf Schenker é, de longe, um dos melhores músicos em sua função até hoje, sendo devidamente referenciado pelas gerações seguintes.
Com menos peso, mas com carisma extraordinário, o álbum também tem as canções No One Like You e Can´t Live Without You. Tanto nessas, como nas demais, Klaus Meine dá um espetáculo soberbo, cantando em tons altíssimos. A voz de Klaus é única! Ele, com certeza, inspirou muitos cantores, mas ninguém consegue soar como ele. Existe, nesse mundo, vocalistas, consagrados ou não, que emulam os timbres dos artistas mais variados, de Elvis Presley até Tom Araya. A voz de Klaus é tão própria, tão reconhecível, que eu tento, mas não consigo lembrar de ninguém que remeta a ela ou seja sequer parecido.

No final do disco, como é esperado por quem conhece o grupo, está a inevitável balada. O Scorpions é sempre associado a esse tipo de música e, convenhamos, conquistou esse mérito com talento sobrenatural. When the Smoke is Going Down, porém, é para mim a penúltima experiência bem sucedida nesse sentido. Depois de Still Loving You, a última grande balada da banda, o que foi feito não passou de ser apenas simpático. Não dá pra comparar You and I, Winds of Change e Believe in Love, bem comuns, com Holyday, Lady Starlight ou Always Somewhere. When the Smoke is Going Down, portanto, termina por abrilhantar um disco que já é brilhante e que, merecidamente, foi o primeiro sucesso arrebatador de uma banda que ralou exaustivamente para chegar até o topo, sofrendo com as barreiras de idioma, mas entregando música de qualidade, essa sim uma linguagem universal.

NAPALM DEATH - ENEMY OF MUSIC BUSINESS


Tenho pouca intimidade com grindcore. Não conheço muita coisa do gênero, salvo os medalhões, se é que esse termo pode ser usado aqui. Napalm Death deve ser uma das primeiras bandas que vem à mente de qualquer um, quando se fala no estilo.
Da mesma forma, creio que pelo menos 90% dos fãs vão apontar Scum, From Eslavement to Obliteration, Harmony Corruption ou Utopia Banished como seus discos preferidos. Eu não concordo nem discordo. Não tenho um favorito da banda. Gosto de todos. O Napalm Death não consegue fazer álbuns ruins. Mesmo os polêmicos Inside the Torn Apart e Words from the Exit Wound eu acho ótimos.
Apesar disso, optei por focar aqui o disco que marcou o retorno à sonoridade mais direta da banda, trazendo também, no pacote, a reutilização do antigo logo, que é Enemy of Music Business. Só pelo título genial esse disco já mereceria a posição de destaque.
Quando eu menciono que o Napalm tornou a praticar uma música mais direta, não quero dizer que seja uma música retilínea, sem variação. Muito pelo contrário, pois a música do Napalm vai além de qualquer definição simplória. É barulho? É claro que é! Mas procure escutar o que está por baixo da violência sonora do conjunto. Abstraia-se dos demais instrumentos e preste atenção apenas no trabalho da guitarra. Depois faça isso com a bateria... Você vai perceber que por trás de toda aquela insanidade existem músicos habilidosíssimos e arranjos bem elaborados.
Enemy of Music Business demonstrou qual o caminho que a banda iria seguir a partir de seu lançamento. Começando com Taste the Poison, música de abertura, carregada com a agressividade que se espera do Napalm, segue uma coleção de faixas antológicas como Next on the List e Necessary Evil, incluindo Cure for the Common Complaint, que tem uma levada um pouco mais diferenciada. Mas o que pode ser considerado diferenciado quando se fala de Napalm Death? O rótulo grindcore não exclui nenhum elemento que o grupo queira inserir em sua música e o próprio baixista – e membro mais antigo – Shane Embury, já listou algum tempo atrás,  ao longo de uma entrevista, a influência de bandas tão díspares quanto Death, Smashing Pumpkins, Jane´s Addiction, Helmet, Sonic Youth, Soundgarden, Nine Inch Nails, Killing Joke, Emperor e Voivod. Se for procurer dá pra localizer tudo isso e muito mais, mas tudo adaptado para o grindcore.

Esse foi o derradeiro disco com a formação de quinteto, tendo Jesse Pintado nas guitarras junto com Mitch Harris. Esse último segue conduzindo sozinho as seis cordas do grupo e consegue fazê-lo com extrema competência. Não tem solos mas, também, para quê? Onde eles se encaixariam na sua proposta sonora? Mitch mantém a pegada sem qualquer perda da brutalidade que lhe caracteriza, com tanta potência agressiva que, às vezes, você se sente com se a sua cabeça estivesse dentro de um liquidificador de pedras. E não poderia ser diferemte, afinal Napalm Death não é apenas um conjunto. É uma força da natureza. Sem exageros! Ficar frente às caixas de som durante a execução de faixas como Constitutional Hell deve causar alguma alteração na acomodação dos orgãos internos de um ser humano. É por transmitir sensações assim,emolduradas por letras com crítica política de qualidade, que poucas formações conseguiram o mesmo nível de respeito que esses sujeitos tem dentro do underground. Não gostar é direito de cada um, mas denegrir ou questionar a importância deles??? Até hoje eu não encontrei quem o fizesse.

GENESIS - SELLING ENGLAND BY THE POUND


A voz dá início à canção, entoando a melodia à capela, com forte acento barroco. A letra fala da velha Inglaterra e, portanto, a pegada folk é mais do que apropriada. Aos poucos, os demais instrumentos vão se juntando, encorpando a música, até explodirem no refrão. Essa é Dancing With the Moonlight Knight. Os timbres de guitarra e melotron, que vão se sucedendo, remetem imediatamente à década de 70, época de ouro do hard rock e do progressivo, que muitos tentam reproduzir hoje em dia, falhando miseravelmente no processo.
O Genesis sempre foi uma banda onde os talentos ocupavam uma situação de equilíbrio entre si. Todos os músicos tinham capacidade acima da média, mas ninguém chegava a ofuscar a contribuição dos demais. Embora os motivos alegados para a saída de Peter Gabriel fizessem menção ao incômodo sentido pelos demais integrantes pela atenção extra que o vocalista recebia, isso se devia mais ao carisma absoluto do cantor. É certo que, se por um lado, Gabriel, apesar de possuir uma bela voz, não ter o mesmo alcance de um Jon Anderson ou um Greg Lake, compensou com uma presença de palco impressionante, que aqueles já não possuem na mesma intensidade. Tal presença enriquecia as apresentações do grupo como um todo, mas não evitava que a imprensa, de forma equivocada, acabasse dando mais destaque à atuação de Gabriel.
Mas, voltando ao disco, a segunda música é o hit I Know What I Like e eu já li manifestações de má vontade para com a mesma por causa de sua suposta aura pop. Creio que essa impressão pode ser causada pelo refrão da música, que realmente tem um gancho fortíssimo, fazendo com que qualquer pessoa o repita após ter ouvido uma única vez, mas, fora isso - e sem deixar de mencionar que é de fato um excelente refrão - o restante da música não soa pop de forma alguma. É uma faixa tradicional do Genesis, mais curta do que as suítes mais badaladas, mas nem de longe tão pop quanto, por exemplo, poder-se-ia dizer da bela balada acústica More Fool Me. Saber, aliás, que essa última era cantada pelo baterista Phil Collins, já apontava para o que o tempo nos revelou sobre este, mas isso é outra história...
Apesar dessa variedade de percepções entre as faixas do álbum, a sua audição completa ressalta a fluidez do trabalho. A forma como as canções – e as variações dentro dessas – se sucedem, sem que haja qualquer quebra abrupta do clima, faz com que tudo soe, ao final, como uma única longa composição. No seu decorrer, confirmando que os compositores de rock progressivo da primeira geração - na maioria egressos dos conservatórios ou das escolas de arte - são legítimos herdeiros dos autores clássicos, percebemos que os momentos em que a banda aparece com mais coesão são encadeados com as passagens mais eruditas, enriquecidas com as intervenções de flauta e oboé, executados por Gabriel. A peça instrumental After the Ordeal é uma que olha bem para os dois lados: começa com uma execução bachiana de Steve Hackett e emenda com um acompanhamento feito pelo restante da banda, numa levada que remete ao King Crimson antigo, e com uma melodia de guitarra em seu final que faz com que se deseje que a música não termine ali, prossiga ad infinitum...
Em Firth of Fifth, essa sensação ocorre novamente. Há um trecho intermediário que começa suavemente, como uma peça de música de câmara, e, se você não estiver atento, vai se perguntar de onde surgiu o som de guitarra, tal a naturalidade com que aparece na composição. O instrumento é dedilhado até repetir o mesmo fraseado que, lá atrás, foi executado na flauta e enche a peça de coesão.
The Battle of Epping Forest é o momento teatral do disco, onde Gabriel se deleita na interpretação de vários personagens em uma música, no meio de uma narrativa sobre briga de gangues. Pela sua estrutura, acaba ficando um pouco truncada, mas a plenitude retorna com a última grande faixa: The Cinema Show. De início suave, ela tem toda sua segunda metade ocupada por uma jam instrumental de êxtase absoluto. Eu teria que procurar alguns outros sinônimos para o adjetivo beleza, para descrever a contento essa e as demais passagens instrumentais do álbum.

Mais à frente, Gabriel e Steve Hackett sairam. O Genesis se descaracterizou aos poucos  e obteve um sucesso extraordinário, fazendo músicas para FMs. Vez por outra os músicos se reencontram, tiram umas fotos e falam sobre reunião. Dado a disparidade do que fizeram Gabriel e Collins em suas respectivas carreiras, é melhor deixar pra lá. A contribuição desse gigante para a música já foi cumprida e é melhor que ele permaneça adormecido, para que não corra o risco de ser novamente despespeitado.

BRIAN SETZER ORCHESTRA - VAVOOM




Os amantes do free jazz, fãs de Miles Davis, John Coltrane e afins, irão me menosprezar pela minha opinião, mas jazz, para mim, sempre foi e sempre será a música das big bands. Tudo bem, Coltrane e Davis, são gênios, isso não se discute, mas a música deles, por mais genial que seja, e por mais que eu aprecie esporadicamente, não satisfaz minha alma da mesma forma que o fazem Duke Ellington, Glenn Miller, Tommy Dorsey ou Benny Goodman. Esses caras fizeram a trilha sonora da América na época das grande guerras e o gosto por sua obra – e aí entra o emocional – foi talvez a herança musical mais forte que recebi do meu pai.
Não sei se ainda existem big bands em atividade por aí, mas um dos meus guitarristas preferidos teve a iniciativa de criar uma. Não poderia haver ninguém melhor para o trabalho! Brian Setzer é um músico virtuoso, um compositor genial e um workaholic obcecado: não bastasse ter criado a melhor banda de rockabilly de todos os tempos, o Stray Cats, concebeu a Brian Setzer Orchestra e ainda arranja tempo para gravar álbuns solos onde revisita os primórdios do rock´n´roll, fazendo releitura de antigas gravações da Sun Records. Fica bem claro que ele conhece a fundo e se sente à vontade nesse universo. Me parece que tudo o que Brian faz remete às décadas de 40 e 50, de forma que ele não conseguiria se afastar desse padrão de composição sem perder a espontaneidade.
Trabalhando nesse estilo, não dá para querer reinventar a roda e, portanto, a B. S. Orchestra abrange, no seu repertório, algumas composições próprias de Brian, músicas de seu tempo de Stray Cats e standards dos band leaders acima, entre outros. Tudo executado por um combo contendo um baterista/percursionista, dois contrabaixistas e treze músicos na seção de metais, tendo logicamente a guitarra de Brian à frente.
Nesse presente disco, temos, por exemplo, clássicos como Americano, Gettin in the Mood, de Glen Miller, Caravan, de Duke Ellington, e Mack the Knife, que ficou famosa na interpretação de Louis Armstrong e cuja versão aqui é extremamente contagiante. Entre as faixas compostas por Setzer, duas se destacam, não apenas pela qualidade como também pelos títulos sensacionais: That´s the Kind of Sugar Papa Likes, bem balançada, e a instigante Drive Like Lightning, Crash Like Thunder, com uma pegada mais roqueira. Em outras faixas, com menos intervenção da orquestra, o resultado acaba soando semelhante ao estilo do Stray Cats e, nesses momentos, tal qual na sequência 49 Mercury Blues e Jukebox, dá pra apreciar melhor as linhas de walking bass executadas.
Ao investir na formação da Orchestra, mesmo contra as opiniões de que iria arruinar sua carreira, Brian Setzer conseguiu reinventá-la, sem se desviar de suas características como artista. As big bands eram o rock´n´roll antes do rock´n´roll ter sido criado e nenhum artista atual tem mais autenticidade do que Brian para ressucitar esse gênero de fazer música, modernizando-o sem descaracterizá-lo, trazendo-os para os dias atuais sem soar como reciclagem barata e oportunista. Uma tarefa tênue e delicada, mas fácil de ser feita por quem não é apenas um personagem, mas realmente vive e respira a música que faz.

BLUES BREAKERS




O blues é um estilo muito básico, muito simples. Tem um determinado número de padrões de levada que todo mundo já deve ter ouvido repetidas vezes em repetidas músicas, sejam do estilo ou não, já que suas escalas são amplamente utilizadas na música popular contemporânea. O que fascina é a forma como esse padrões, tão extensivamente aplicados conseguem, nas mãos certas, soarem sempre novos, sempre carregados de melodia e emoção. Tocar blues é a forma mais direta de expor a alma. A música sai mais do coração do que das mãos e é por isso que ela mantém o vigor constante. É tolice pedir a um blueseiro que faça algo em modo frígio ou sei lá o quê. No blues, uma única nota, que ressoa lânguida e amargurada, diz mais do que qualquer metralhadora estéril de sentimento.
John Mayall, inglês de nascença, já era um músico veterano quando começou a gravar seus discos e teve a oportunidade de, em seu segundo álbum, fazer parceria com Eric Clapton que, recém saído do Yardbirds, já era um nome de respeito, a caminho de receber o título de “Deus”. Goste-se ou não do que Clapton fez ao longo de sua carreira, não dá pra negar que o sujeito é um mestre absoluto do blues, um dos maiores músicos nesse estilo desde sempre. E a parceria entre os dois, infelizmente, gerou apenas o presente disco, que é um dos melhores, não apenas da discografia de Clapton, incluindo os futuros álbuns do Cream nessa conta, mas também, com certeza, um dos maiores discos de blues já feitos.
Na composição do disco, Clapton só participou de uma faixa, Double Crossing Time, um blues arrastadão, do tipo para ouvir bebendo whisky em um dia nublado. O restante são músicas de autoria de Mayall e clássicos do blues, tirados do cancioneiro de mestres como Otis Rush, Freddie King, do qual foi executada a instrumental Hideaway, Little Walter e Robert Johnson. É obrigatório destacar a cover de What´d I Say, do imortal Ray Charles, que teve intercalada, em sua execução, trechos de Day Tripper, dos Beatles. Um momento único da música, para dizer o mínimo.
Clapton canta apenas em Ramblin on my Mind, de Robert Johnson. Apesar dele nunca ter sido um grande cantor, consegue, com o seu timbre levemente rouco, transmitir a reverência que sente pelo antigo bluesmen, objeto de sua completa devoção. Se Clapton não chama a atenção como cantor, isso não faz nenhuma diferença. Seus solos cantam por ele e poucos guitarristas tem a mesma sensibilidade. Mayall, por outro lado, tem uma voz um pouco mais impostada e, entre suas próprias músicas, dá pra destacar o hard boogie Little Girl.
Conhecendo o histórico de Clapton, dá para imaginar que essa parceria não iria muito longe mesmo. Não deu tempo de haver um segundo disco, pois o surgimento do Cream estava no caminho e olhando em retrospectiva, isso era uma prioridade indiscutível, mas o que importa é que os dois músicos continuam ativos e ainda fiéis ao blues. Mayall, com um pouco menos de estrelato que seu colega, mas ainda, aos 81 anos de idade, ativo e respeitado. O blues sempre teve o whisky como sua bebida símbolo. Deve ser uma analogia indireta ao fato de que os anos agregam mais sabor à música dos artistas, como em nenhum outro estilo acontece da mesma forma.
P.S.: Obrigado mais uma vez, amigo Holanda, por ter me mostrado tanta música boa...

TOP 5 DISCOS DE 2014


Melana Chasmata - Triptykon
Once More Round the Sun - Mastodon
Redeemer of Souls – Judas Priest
The Year the Sun Died - Sanctuary
Rock or Bust – AC/DC