sábado, 27 de junho de 2015








ALTA TENSÃO – PORTAL DO INFERNO

O heavy metal existe em todos os lugares do mundo. Seja no Oriente Médio, no continente africano, na Oceania ou no extremo leste europeu, sempre há uma banda, amadora ou profissional. Trazendo a perspectiva para o nosso território, mantemos a mesma premissa. Existem bandas em todos os estados da nação, mas, apenas recentemente, o cenário pôde deixar de ser polarizado em termos de mídia e de divulgação.
Digo isso, porque sempre me pareceu que o Alta Tensão não teve o tratamento justo que merecia. Ouça Portal do Inferno e veja se a música ali contida não está em pé de igualdade com as bandas mais lendárias daqueles anos intermediários da década de 80. Mesmo assim, o Alta Tensão não chegou a alcançar a popularidade que as bandas de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul atingiram naquele período inicial. Eu imagino se isso não ocorreu por conta da banda não ter surgido com o reforço de uma cena local que colocasse o Mato Grosso do Sul, estado de origem, em pé de igualdade com os outros estados. Não sei afirmar se haviam ou não outras bandas atuando junto com o Alta Tensão, naquele local e época, mas, se haviam, elas não despontaram para a conjuntura nacional e o Alta Tensão não pôde desfrutar do apoio de um cenário doméstico que chamasse atenção para a sua região.
Basta ver que a banda, que estava ativa desde 1981, lançou sua estreia no mesmo ano em que foram lançados o Ultimatum, o Live do Vulcano e o split do Sepultura com Overdose, sendo que apenas no ano anterior tinha sido lançado o SP Metal, ou seja, era a efervescência da explosão do heavy metal nacional e o Alta Tensão acompanhou o movimento alguns passos atrás da bandas que assumiram a dianteira.
Esse Portal do Inferno não é o disco de estreia. É o segundo álbum, mas tem exatamente aquela sonoridade típica do período, que você deve estar imaginando. Desde a primeira nota, Black Sabbath, Judas Priest e Iron Maiden vão se fazer evidentemente presentes entre as influências. Tirando a faixa Sacrifice, o disco é completamente cantado em português, sendo que esse era um recurso de composição autêntico, que, diga-se, ainda é praticado de forma honesta por muitos, mas que, em diversos casos, serve apenas para mascarar uma desnecessária nostalgia forçada. De qualquer forma, o disco já se destacaria pela presença da faixa O Silêncio que, salvo engano, é a mais longa música dessa fase do metal brasileiro, com seus 09:24. Alguém pode contestar citando Anjos do Apocalipse, do Overdose, que tem 10:07 e foi lançada dois anos antes, mas, se retirarmos os efeitos sonoros, imitando barulho de vento, restam apenas 09:05 de música efetivamente. O Silêncio também ganha na qualidade da composição, pois se Anjos do Apocalipse se baseia em sei-lá-quantas mudanças de andamento, O Silêncio é uma música mais homogênea, sem tantas mudanças, e, mesmo assim, consegue fazer com que seus nove minutos transcorram como se fossem apenas três!
O restante do disco é completamente homogêneo. Não há destaques entre Portal do Inferno, Cortina de Ferro, Chacal, Judas Iscariot e Thanatous. Se você é íntimo com as obras do período, sabe que vai encontrar uma produção não muito boa, meio abafada, mas feita com paixão suficiente para fazer com que o disco atravessasse décadas e, hoje, ainda estarmos falando dele. Som digital, alta definição e coisas do gênero são um fenômeno pordemais recente. Essa geração passava por cima de um milhão de dificuldades e prosseguia, porque música, para alguns, não é algo pra curtir. Música é sangue e oxigênio, vitais para a existência.



sábado, 20 de junho de 2015



BOB DYLAN – HIGHWAY 61 REVISITED

O quão grande deve ser um artista para ter a sua obra estudada e categorizada em fases? Tal qual Pablo Picasso, nas artes plásticas, cujo trabalho foi dividido entre o período azul, o período rosa, o período africano, entre outros, o legado de Bob Dylan para a música tem o mesmo peso que o pintor espanhol teve no seu ramo.
Mas aí é que vem a grande dificuldade, pelo menos para mim, que não tenho grande fluência na língua inglesa, em apreciar na totalidade o que Bob Dylan fez ao longo do tempo. Sim, porque Bob Dylan sempre me soou mais um poeta do que um músico. Um poeta que lançou seus textos em discos, ao invés de livros, e, por conta disso, acabou obtendo uma projeção maior para suas palavras. Só que eu sou um fã mais fervoroso de música do que de poesia e, nesse sentido, me parece que o acompanhamento instrumental das canções de Dylan acabam – ou poderiam acabar – em levadas rítmicas espartanas, com a mera função de emoldurar os textos. Nesse ponto é que entram os músicos de sua banda de acompanhamento: Dylan sempre esteve assessorado pela nata e é a desenvoltura desses caras que cria as molduras onde Dylan pinta os cenários confessionais, criados a partir de suas experiências. São músicos de primeiro gabarito, como Al Kooper e Mike Bloomfield, que tornam a audição do disco um momento mais completo e cativante. Vide Desolation Row, com seus onze minutos de declamação, que fluem com leveza graças aos talentos envolvidos. E Desolation Row é apenas o momento do disco com mais similaridade ao que Dylan tinha feito até então, nos primeiros anos de sua longa carreira, já que Highway 61 Revisited é o álbum em que o artista finalmente abraçou o formato de banda, irritando os seus primeiros seguidores, que idolatravam o trovador solitário, que empunhava apenas um violão e uma gaita. A força de interpretação da banda é o que faz também com que From a Buick 6, por exemplo, seja bem mais do que um blues acelerado qualquer.
Mas que fique bem claro que Dylan não se tornou o ser semi-mitológico que é à toa. Sua maneira de cantar, com um tom levemente debochado – bem evidente na faixa título - cria um clima mais pé-no-chão para suas letras intelectualizadas e cheias de simbolismo. Dylan, afinal, veio da escola do folk, da música que faz com que o povo sinta-se como, realmente, um povo, e o álbum é apenas a versão eletrificada dessa linha. É a soma de tudo isso que gerou canções extraordinárias como Queen Jane Approximately e Ballad of a Thin Man, e faz com que elas soem tão fortes e tão belas aos ouvidos.

E nós ainda não falamos da música que abre o álbum e que ingressou de imediato no canône da cultura popular. Like a Rolling Stone completou cinquenta anos de idade e não envelheceu um dia sequer. Soa tão brilhante e atual quanto deve ter sido lá em 1965. Se merece ou não o topo da lista de melhores músicas, feito pela revista Rolling Stone, vai depender da opinião de cada um, mas que ela merece estar na lista é indiscutível. Dylan se reinventava com esse álbum e tornaria a se reinventar outras vezes, talvez nem sempre com tanto êxito, mas nunca deixando de manter-se na posição inequívoca de um dos maiores artistas do século XX.

sábado, 13 de junho de 2015



MEGADETH - PEACE SELLS

Podem dizer o que quiser, mas a verdade é que Dave Mustaine é, e sempre foi, um dos maiores compositores de heavy metal a pisar no planeta. E se ele é antipático ou sei lá mais o quê que argumentam contra ele, isso não importa. Muito pelo contrário, demonstra o quão relevante ele é. Ninguém gasta vela com defunto ruim. Metallica, Megadeth, Manowar, Dream Theater, Yngwie Malmsteen e alguns outros alvos preferidos de mimimis estão sempre sendo lembrados pelos detratores porque, independente de questões de gosto, são bons no que fazem. E ser bom incomoda alguns. Se fossem insignificantes, passariam em branco pelos debates.
E, como que para reforçar o peso de seu nome, Mustaine tem sua história vinculada a duas das bandas acima. Depois de ajudar a criar a identidade do Metallica, e colocar o nome desta no mapa, saiu pelos motivos que todo mundo já está cansado de ouvir e criou uma segunda banda tão desafiadora quanto a primeira. Ressaltem-se os méritos de que, ao iniciar sua nova empreitada, ele não incorreu no vício de tantos músicos que fazem com que seus novos projetos soem como continuação do que faziam anteriormente. O Megadeth não soa como o Metallica. São duas formas diferentes de executar thrash metal. Eu creio que, embora seja uma irrealidade, pela provável impossibilidade de convívio, o Metallica teria se beneficiado caso Mustaine tivesse permanecido na banda. A sua magnífica criatividade, aliada aos talentos de James Hetfield e Lars Ulrich como compositores, teria levado o Metallica por caminhos que podemos apenas especular. Se, porém, tivesse sido assim, não haveria o Megadeth, e discos fundamentais do estilo nunca teriam sido feitos. Talvez tenha sido melhor dessa forma.
A música do Megadeth, portanto, nasceu da raiva, sentimento esse mais do que adequado para criar um álbum de thrash metal. Essa postura obteve uma tradução singular quando foi submetida à fusão de dois músicos de rock pesado – Mustaine e o seu braço direito, Dave Ellefson – com outros dois artistas de bagagem originada no jazz, Chris Polland e Gar Samuelson, ambos músicos muito acima da média, como precisa ser dito. O quarteto gerou os dois primeiros álbuns da discografia, com resultados mais experimentais no primeiro e mais diretos no segundo. Peace Sells era o tipo de disco que exalava imponência na prateleira, manifesta tanto na capa, quanto no título. Dava vontade de comprar sem ouvir. Dois clássicos indiscutíveis nasceram nesse álbum: Wake up Dead e Peace Sells, tendo a introdução dessa última entrado para o canône de linhas fundamentais de baixo. Mas o disco ainda tem momentos bem velozes com The Conjuring, Devil´s Island, My Last Words e Good Mourning/Black Friday - essa última com uma palhetada extraordinária - e as quebradeiras de Bad Omen e da releitura de I Ain´t Supesrtitious.

Não obstante toda a técnica instrumental, a voz de Mustaine sempre chamou atenção. Minha opinião é de que existe um certo exagero nas críticas. Mustaine não é um cantor. É um vocalista, e isso é bem diferente. O timbre da voz dele acabou por se tornar um dos aspectos caracterísiticos dos arranjos do Megadeth e eu prefiro que seja do jeito que é. Prefiro que haja a diversidade, com Mustaine, King Diamond, Bruce Dickinson, Andi Deris, Rob Halford, Dee Snider, James Hetfield, e tantos outros, soando absolutamente distintos – mas também absolutamente autênticos - do que ter uma linha de produção de barítonos (ou castratis) em uma tediosa série. A voz dele lembra a de um certo pato de desenho animado??? Excelente! Nunca vi aquele pato fugir de uma briga...

sábado, 6 de junho de 2015



JETHRO TULL - SONGS FROM THE WOOD

Na minha opinião, o melhor disco do Jethro Tull, superando até mesmo os aclamados Aqualung e Thick as a Brick. O clima das canções passa, como nunca antes na carreira da banda, a ambientação folclórica, casando perfeitamente com o título do álbum e com a belíssima ilustração da capa. O folk, na música do Jethro Tull, é algo tão intrinseco quanto o sangue que percorre o corpo, mas em Songs From the Wood as músicas puxam mais para o lado menestrel festivo do que a linha menestrel melancólio seguida no disco Benefit.
Curiosamente, a onda de inspiração que gerou este disco, e prosseguiu pelos dois ótimos lançamentos seguintes, veio após o lançamento de um álbum bastante criticado (com alguma razão), Too Old to Rock´n´Roll, e teve o seu ápice e consagração no álbum duplo ao vivo Bursting Out. Tony Iommi, depois de ter passado alguns dias com a banda, absorveu a disciplina de ensaios e levou isso para o Black Sabbath. De fato, quando se aprecia mais atentamente a musicalidade, concomitantemente complexa e sutil, do Jethro Tull, só se pode aferir que o grupo trabalhava com muita seriedade, e essa seriedade era refletida em cima do palco, pois o grupo sempre proporcionou um espetáculo invejável. As músicas de Songs From the Wood se prestavam adequadamente a essas performances, enriquecidas pelo Tull ter, na época, uma de suas melhores formações.
A canção Songs from the Wood inicia com um trabalho vocal baseado em contrapontos, lembrando muito o que o Gentle Giant sempre fez em sua carreira. Em seguida tem uma coleção de peças belíssimas em seus arranjos, quer sejam aquelas que entraram para a história como clássicos, tal qual Jack in the Green ou Hunting Girl, quer sejam as que não foram tão trabalhadas pela banda, mas que estão no mesmo nível de excelência que permeia o disco, como Velvet Green ou Cup of Wonder. Saber que Ian Anderson, o líder da banda, compôs tudo sozinho, gera, por si só, admiração, principalmente quando ouvimos o álbum e vemos a elaboração e a excelência das canções, fazendo com que curvemo-nos frente ao talento do sujeito.
É claro que ter a companhia de um guitarrista do nível de Martin Barre ajuda, e muito, na criação da personalidade do som do Jethro Tull. Personalidade essa que, já distinguível pelo timbre de seus músicos, torna-se ainda mais evidente e diferenciada pela utilização da flauta nos arranjos. Pode-se dizer que existe no imaginário popular o conceito de que a flauta presta-se para expressar tons de doçura ou suavidade, mas no Tull ela vai além, muito além. Ela passa tanta vibração quanto a guitarra e, por pouco, não é empunhada da mesma forma.
Pibroch é a faixa mais progressiva do disco, no sentido estrito do termo, e coincidentemente é a mais longa. Todo o restante traduz o Tull no ápice de sua criatividade. Uma banda que nem sempre é citada entre as principais que já existiram, por consequência da preguiça mental que sempre papagueia os mesmos nomes, mas que extendeu sua influência para uma diversidade de artistas e gêneros, do folk-pop do Dexy´s Midnight Runners, passando pelo metal do Skyclad, e até mesmo na performance do pernambucano Alceu Valença, na fase do disco Vivo!

Tal alcance só é possível para aqueles que detém relevância perene.