sábado, 19 de novembro de 2016

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URIAH HEEP - VERY EAVY VERY UMBLE
Quando éramos mais jovens, com poucos recursos financeiros e mais tempo para dedicar a cada disco que adquiriamos, por vezes éramos marcados pelo contato musical associando-o a algum fator externo. No caso do primeiro disco do Uriah Heep, trouxe-o para casa e coloquei-o no toca-discos em um dia chuvoso. Sempre que o reescuto, portanto, sou acometido pela lembrança de um clima nublado e a claridade solar esvanece.
Caso acrescentemos uma quarta posição ao triunvirato sagrado do hard rock/heavy metal (Led Zeppelin, Black Sabbath, Deep Purple), certamente a vaga será ocupada pelo Uriah Heep. Porém, a banda inglesa, contemporânea das demais, surgiu com a vantagem de possuir em suas fileiras A VOZ. Sim, porque, não obstante os Plants, Mercurys, Rodgers ou Gillans da vida, David Byron é/foi o melhor vocalista de rock, até hoje não superado.
Esse sujeito, juntamente com Ken Hensley e Mick Box, formaram o trio central da banda e capitanearam uma carreira que, pelo menos em sua primeira fase, não foi menos do que brilhante. No caso de Very Eavy Very Umble, ou seja, já a partir do primeiro disco, a abertura com a faixa Gypsy já apresenta, de cara, tudo que você precisa saber sobre o grupo. Todos os elementos que caracterizam o som do Uriah Heep, e o tornam único, estão presentes nessa música, inclusive as consagradas e onipresentes harmonias vocais. Estando ainda três álbuns de distância de sua formação clássica e de seus discos mais consagrados - Demons and Wizards e Magician´s Birthday - não se pode dizer que houve mudanças significativas no som do quinteto. Houve aprimoramento e refinamento, principalmente da tendência progressiva, na qual o Heep investiu mais do que seus colegas de cena, mas a essência já estava definida na origem, tendo sido formatada pelos três músicos acima, embora, nesse álbum, Hensley ainda não tenha participado do trabalho de composição.
Além de Gypsy, as músicas Walking in Your Shadow, I´ll Keep on Trying e Wake Up também se caracterizam pelo DNA uriaheepiano, sendo todas destaques do disco, da mesma forma que a belíssima balada Come Away Melinda, cuja letra trata do diálogo entre uma filha e seu pai, que tenta explicar sobre a mãe que a criança não conheceu, morta na guerra.
Por fim, como qualquer obra perfeita se prolonga para além das notas musicais, é preciso fazer a devida menção à embalagem. Aprendam: ISSO é uma capa assustadora de verdade!!! Existem duas versões da mesma, mas eu sequer faço questão de me lemvrar como é a imagem que estampa a outra.
O tempo passou, Byron faleceu, o Heep mudou de formação incontáveis vezes, atravessando altos e baixos criativos. Hoje, com o conforto de quem não precisa mais se provar e está aproveitando os momentos de proximidade do final da carreira, o Heep tem lançado bons álbuns. Bandas que se inspiram em sua obra causam um grande boca-a-boca entre os apreciadores, mas eu, infelizmente, não consigo me empolgar com isso. O material original está a minha disposição e ainda me causa emoção.
Da mesma forma que me causou quando eu era mais jovem.

sábado, 12 de novembro de 2016

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OPERATION MINDCRIME
Discos conceituais são algo complicado. Não em sua essência, mas em seu funcionamento. Na minha opinião, é preciso um raro equilíbrio para que o trabalho sobreviva como estória – já que é a isso que se propõe – mas que as suas músicas possam também existir isoladamente, que façam sentido dentro de um ambiente de show, intercaladas com outras canções dentro do setlist, sem a sensação de serem algo dependente de outras partes, anteriores ou posteriores. Dessa forma, creio que o Queensryche conseguiu conceber um dos melhores álbuns conceituais de todos os tempos! Lançado no mesmo ano de dois outros marcos do metal de alta patente, And Justice For All, do Metallica, e Seventh Son Of A Seventh Son, do Iron Maiden, a sequência das músicas, nesse disco, quando se considera que fazem parte de uma narrativa, soa tão natural que aparenta que a banda as compôs naquela ordem. Caso você o pegue para escutar de uma só vez, é perceptível a fluência, a coesão entre as faixas que soam realmente como um contexto, rumo a um clímax. Por outro lado, se você pincelar uma canção qualquer, ela também soará perfeita, com suas estrofes e refrão, única e plena em sua individualidade.
Evolução é uma palavra pouco utilizada quando se fala do Queensryche. É claro que ela existe, mas a discografia da banda, na fase em que contava com o guitarrista Chris DeGarmo, apresenta um repertório de tão alto nível, desde seu princípio, que os saltos evolutivos são mais discretos. Há diferenças, claro de Warning até Promised Land, mas elas não soam bruscas ou descaracterizantes da personalidade da banda. O Queensryche sempre pareceu estar em um patamar além. Mesmo se analisarmos o grupo exclusivamente dentro do nicho do prog metal, eles parecem existir em um espaço próprio, sem vínculo com as demais formações que executam esse estilo. Assim, o destaque de Operation Mindcrime não poderia ser outro que não fosse o carisma de cada música e é justamente por isso que não posso citar faixas individuais. A qualidade é altíssima em toda a audição. Lembrando que é um disco conceitual, pinçar uma música seria como dizer, por exemplo, que o capítulo 7 de um livro é melhor do que o capítulo 12.

Depois de Operation, o Queensryche ainda concebeu dois grandes discos e um equívoco – Hear in the Now Frontier – que marcou a saída de DeGarmo. Depois disso, foi uma sequência de trabalhos medianos e sem luz própria, além de uma tentaiva de retormar o sucesso de Operation, com uma continuação que mergulhou na obscuridade, demonstrando que o sucesso da banda dependia da combinação de talentos daquela formação, ao contrário do que demonstrou Geoff Tate, que, com sua vaidade, fez com que o legado do Queensryche desmoronasse até que houvesse a inevitável separação, cabendo à banda reiniciar suas atividades com outro vocalista e, surpreendentemente, retomar os dias de glória. Casos como o do Queensryche, ou do Accept, mostram que a imagem que um grupo projeta não está necessariamente atrelada à figura de seu frontman e, dentro do heavy metal, as coisas funcionam melhor assim.

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

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JOURNEY – ESCAPE
Não deve existir um subestilo mais datado do que o AOR. Falo isso sem submeter à palavra “datado” a carga pejorativa que geralmente lhe acompanha. Datado, aqui, é apenas referência ao auge do estilo, lá no intervalo entre 1976 e 1982. Sempre que eu escuto esse tipo de música, minhas recordações são arremessadas para essa época.
Não sei de onde se originou a denominação AOR, mas ela soa um pouco prepotente. Rock orientado para adultos? Há um certo grau de esnobismo desnecessário aqui. Uma insinuação de que o restante do que se faz sob a denominação rock seria voltado apenas para adolescente, o que não é bem verdade. O AOR é caracterizado pela sonoridade cruzada entre o progressivo, o hard e o pop, com uma tendência maior para o primeiro, mas sem se ater às longas suítes que o caracterizam. Algo como um progressivo mais apto às FMs, no tempo em que estas eram mais, digamos, ousadas. É um nicho musical onde podemos inserir bandas como Styx, Asia, Survivor, Toto, Boston, Kansas e, com boa vontade, até o Supertramp. Dentro desse rol, o Journey tem uma posição de destaque. Algo mais ou menos semelhante com o status que o Iron Maiden tem dentro do heavy metal.
Nada surpreendente quando vemos que o guitarrista Neal Schon formou a banda depois de passar uma temporada na companhia de Carlos Santana, com quem gravou dois discos, incluindo o progressivo Caravanserai. Depois de três álbuns de seu novo projeto, Schon iria receber o apoio do cantor Steve Perry e um novo capítulo da história do rock seria escrito.
Steve Perry é dono daquele timbre de voz que convencionamos chamar de angelical, podendo tranquilamente ser colocado em paralelo à Jon Anderson do Yes. Chamá-lo de vocalista é reducionista. Perry é um cantor, no mais estrito sentido denotativo da palavra. A partir de sua entrada, o Journey alcançou novos limites artísticos e comerciais, mas em Escape, as coisas tomaram outros rumos. Não vou dizer que Don´t Stop Believin seja a melhor música de sua carreira. Isso é muito subjetivo. Mas o certo é que essa canção ganhou vida própria, além do alcance de seus autores. É aquele tipo de canção que vira um fenômeno da cultura popular e todos conhecem, mas uma boa parte ignora de quem seja.
Todo o disco foi composto a partir das parcerias de Schon, Perry e do tecladista Jonathan Cain, que estreou aqui e permanece até hoje, sendo o segundo integrante mais longevo da formação, depois de Schon, firmando sua posição de destaque no grupo, tanto como compositor quanto como tecladista, em um gênero onde esse instrumento tem tanta importância nos arranjos quanto a guitarra. Escape não seria um trabalho clássico se se sustentasse apenas em Don´t Stop Believin e, portanto, tem várias outras canções que merecem ser referenciadas como Stone in Love, Still They Ride, a faixa título e, principalmente, a balada Open Arms. Em qualquer uma delas se percebe que, apesar da excelência de seus integrantes, ninguém parece brilhar sozinho. As músicas chamam a atenção pelo que são, não pelo guitarrista ter feito um solo extraordinário ou pelo vocalista ter quebrado uma taça de cristal. É por isso que, mesmo sendo um estilo ligado a um determinado período de tempo, a música do Journey não envelhece e permanece atual e relevante.

sexta-feira, 28 de outubro de 2016


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NIRVANA – NEVERMIND
Antes de mais nada, é preciso estabelecer qual o verdadeiro impacto desse disco. Sob a minha ótica, claro.
Nevermind é um disco que fez inegável sucesso e, de certa forma, merecido em parte. Digo isso porque, para mim, Nevermind é um disco bom.
Ponto.
É bom e só. É endeusado por muitos de forma demasiado exagerada, visto suas reais qualidades. Também é odiado por outros tantos, mas não merece essa rejeição extrema. Daí a querer colocar Nevermind como divisor de águas, um dos melhores discos de todos os tempos e blábláblá, vai uma longa distância. Nevermind não é tão ruim quanto pintam seus detratores, mas tampouco é a maravilha que a maioria clama por aí.
Dessa forma, eu acho que as pessoas ou amam demais o Nirvana ou odeiam demais. Ambas as reações, creio, são consequência da exposição maciça da banda. Se o Nirvana tivesse um status de popularidade menor, não geraria esse efeito. Alguns curtiriam e outros simplesmente ignorariam. Mas, na realidade, o disco estourou e vamos à ele.
Não quero criar polêmica ou chamar atenção. Até fujo disso. Mas sou forçado a iniciar dizendo que Smells Like a Teen Spirit é uma música absolutamente inócua. Não me diz nada e, em minha opinião, é uma das mais fracas do disco. Tem coisas bem melhores ali. Quando eu pego esse disco para ouvir, Smells entra no automático até pelo fato de ser a primeira, mas eu a pularia tranquilamente. Foi um sucesso? Foi, todo mundo sabe, mas eu não baseio meus conceitos em cima disso.
Se Smells me soa desnecessária, Territorial Pissings, por outro lado, me soa ruim mesmo. È uma tentativa de fazer uma faixa mais rápida e agressiva sem que se tenha o cacoete necessário para tanto. O ponto certo da musicalidade do Nirvana repousa em canções como In Bloom, Come As You Are, Breed, Lithium e Lounge Act, que são músicas realmente boas. Tem carisma e melodia. Coincidentemente, ou não, a maioria delas está na primeira metade do disco, que perde um pouco de força no seu decorrer. As músicas menos interessantes ficaram para o fim da audição.
Ainda falando em melodia, Polly e Something in the Way são canções bem agradáveis, suaves. Não vão mudar a vida de ninguém, mas também não comprometem o resultado do disco. O Nirvana tinha uma mão adequada para músicas desse naipe e isso foi plenamente comprovado quando lançaram seu álbum acústico.
Nevermind é um disco de rock básico. Tão básico quanto o são as habilidades de seus criadores, visto que ali ninguém passa perto do conceito de virtuose, embora isso, claramente, não seja nenhum demérito em termos de rock. Seu estouro deveu-se a um claro movimento da indústria, que sobrevive desses ciclos e tem que se manter, pelo menos parcialmente, sincronizada com a renovação do público consumidor de música, mais afeito a acompanhar as bandas que surgem em seus momentos cronológicos. De qualquer forma, no meu teste de tempo, o disco repousa em um conceito mais voltado para os graus positivos. Não o descartaria jamais, mas também não o colocaria na minha mala rumo à famosa ilha deserta.

Que fique na estante, mas ao alcance da mão.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

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CENTÚRIAS – NINJA
Para quem não é de São Paulo e acompanhou à distância, mesmo dentro de seu próprio país, a evolução do cenário de bandas de heavy metal, a sensação é de que houve uma rápida queima de etapas no Brasil. Mal surgiram – ou, melhor dizendo, mal tornaram-se conhecidas – as bandas de metal clássico, as vertentes mais extremas já estavam mordendo seus calcanhares. Para cada Harppia e Salário Mínimo que estavam despontando, já havia um Korzus, Vulcano ou Sarcófago. Isso, repito, é a minha interpretação vista de longe. Para os conterrâneos desses grupos, que os acompanharam de perto, desde a época das demo tapes, a transição deve ter sido mais natural, obviamente.
A consequência disso é que o metal tradicional pátrio não foi adequadamente absorvido por aqui. Existiram grandes trabalhos e o devido reconhecimento lhes foi dado, mas poderia ter sido bem mais.
Ninja, primeiro álbum do Centúrias, é um exemplo concreto. É, de longe, um dos melhores discos de metal cantados em português e teve a missão de suceder, após uma reformulação geral na formação, o excelente EP de estréia da banda. O grupo que contava com o vocalista Eduardo Camargo à frente deixou saudades, mas o remanescente baterista Paulo Thomaz teve bala na agulha pra trazer dois ex-integrantes do antológico Harppia e o vocalista César Zanelli, que já tinha passado pelo Santuário. Com um time desses, composto apenas por pessoas que já conheciam muito bem do riscado, não tinha como dar errado: Ninja é um disco forte, coeso, com músicas maduras e muito bem desenvolvidas. É aquele típico caso de disco que, de tão bom, sustentaria sozinho o repertório de uma apresentação.
Tendo sido lançado em 1988, sua chegada ocorreu num momento em que o thrash já era uma corrente consolidada, mas tirando um pequeno flerte aqui e ali, o clima todo é de puro e vigoroso metal tradicional, sendo que em diversos momentos podemos identificar uma influência muito forte de Saxon, especialmente nas músicas Guerra e Paz e Metal Comando. Talvez a diferença do timbre de voz de César Zanelli dificulte um pouco essa identificação, mas se prestarmos atenção apenas na levada da música, veremos que ela é bem calcada na lenda britânica e isso é bastante louvável, pois, embora o Saxon seja bastante cultuado por aqui, seu legado ainda não foi suficientemente explorado pelos grupos nacionais.

E, falando de influências britânicas, o onipresente Judas Priest não poderia faltar. Arde Como Fogo parece ter sido composta depois de uma intensa sessão de audição do álbum Hell Bent For Leather. Paulo Thomaz tem um desempenho ímpar, tanto nessa música quanto no resto do álbum. É um músico com longa trajetória no cenário brasileiro e merece ser bem mais reconhecido, mas o seu trabalho em Ninja é como parte de uma verdadeira equipe. Não há um músico que se sobressaia ou que chame mais atenção dos que os demais ao longo da audição. É uma banda na acepção mais pura da palavra, composta por verdadeiros amantes do estilo que fazem. Não à toa, apesar de ainda sofrer as inevitáveis mudanças de formação, continua ativa e relevante. Centúrias é a história viva do metal brasileiro em cima dos palcos.

sábado, 15 de outubro de 2016

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VÊNUS
Eu não tenho certeza e nem tenho como aferir isso, mas gosto de imaginar que esse disco, filho único da banda Vênus, de nosso querido estado vizinho, o Piauí, teve alguma sobrevida e alcance extra por conta do destaque maior que teve o Avalon, segunda empreitada dos guitarristas Ico e Thyrso.
Essa perspectiva, é claro, não tem nenhuma relação com a qualidade da obra em si, mas baseia-se apenas nas minhas próprias lembranças de como eram as coisas em 1986, ano de lançamento do disco. Quando eu o conheci, na casa de amigos meus, não tinha absolutamente nenhuma referência anterior do mesmo. Nunca tinha ouvido falar da banda e, pior, nunca vi uma linha de publicação sobre seu trabalho. Talvez alguém tenha feito, mas eu não vi.
Pode ser que pelo fato da banda ser de um estado próximo, isso tenha facilitado sua repercussão aqui. Não era o modo ideal das coisas, mas era assim. Do mesmo modo, eu fico imaginando quantos trabalhos de locais mais distantes, como o Amazonas, Paraná, Goiás, ou qualquer outro, não repercutiram para além de suas fronteiras e talvez permaneçam até hoje como pérolas escondidas.
Esse disco do Vênus merece ser mais conhecido. A produção é precária, mas o resultado criativo é excelente. Torno a lembrar que era 1986 e, para quem viveu o período, havia uma influência quase onipresente de Iron Maiden. O Vênus ia por outro caminho. Não sei se é a produção, o timbre que o disco reproduz, que me faz pensar assim, mas eu não consigo escutar o Vênus sem que a minha mente me remeta ao som que fazia a Patrulha do Espaço. E creia-me: eu digo isso com a convicção de que é um grande elogio.
E apenas para fechar a questão sobre a produção, o que eu digo é que, se ela lhe incomoda, talvez seja por você ser muito jovem. Ouvir um disco assim, aciona recordações de minha vida tanto quanto ocorre quando sentimos cheiros ou gostos que nos remetem à nossa juventude... A única restrição que eu faço ao álbum é o título da faixa de abertura. Não dava pra elaborar outro nome? Tinha que ser Babão????
Ainda bem que a música é boa, e, melhor ainda, o que vem pela frente eleva o trabalho como um todo. Não vou ficar na chateação de citar música por música, mas Existência é a típica canção que nos faz aumentar o volume! Digo mais: é, provavelmente, uma das melhores faixas de heavy metal em português de sua época. Tem um trabalho melódico que prende nossa atenção desde o primeiro acorde e, por sinal, o que a dupla de guitarrista faz é um ponto positivo do disco por inteiro. Não, ninguém vai encontrar nada de extraordinário. É simples e é básico, mas é tudo concebido com extremo bom gosto. Melodias e riffs de guitarra que lhe fazem lembrar que existem melodias e riffs de guitarra. Quantos e quantos discos nós ouvimos que, apesar de bem feitos, não lhe fazem sentir aquela necessidade de parar pra curtir melhor algum elemento específico da música? O trabalho da dupla Ico e Thyrso teve esse efeito sobre mim. Eu realmente foco minha atenção no que as guitarras estão fazendo.
O outro grande destaque do disco é a faixa denominada Metal, e que, diga-se, honra o seu título, inclusive pela presença, em sua parte intermediária, de algumas notas que me fizeram lembrar de Beyond the Realms of Death do Judas Priest.

Enfim, esse é um disco que não é fácil de ser encontrado, mas que vale a procura. É um disco que não aparece nas listas das grandes revistas, mas que representa um grande momento do cenário nordestino. Tem valor histórico múltiplo pois, não obstante a primazia de seu conteúdo, representa o esforço de lançar um álbum numa época em que isso não era tão simples quanto hoje se tornou. Lembra-nos que, antes de bater cabeça fisicamente, foi preciso que muita gente batesse cabeça metaforicamente.

sábado, 16 de julho de 2016


EUROPE - THE FINAL COUNTDOWN
Sim, esse é o disco que tem The Final Countdown e Carrie. Ponto. Todo mundo já conhece essas duas músicas e não há mais nada a falar sobre elas, portanto é o que eu vou fazer. Até porque The Final Countdown, especificamente, já deixou de ser uma propriedade exclusiva do Europe, tornando-se parte da cultura popular, e o disco, no fim das contas, não se resume a essas duas canções, tendo muito mais a oferecer.
É curioso que, ouvindo o álbum completo, verifiquei que está tudo certo: todas as músicas são boas, é tudo bem composto e executado, todos os múisicos são talentosos…. Então, porque é que eu não escuto esse tipo de música com mais frequência??? Dessa vez, a ficha caiu: é o vocal. Não que seja ruim, muito pelo contrário, é só que aquele timbre, aquela entonação, não me agradam de todo, me geram um certo ranço, talvez pelos traços de radicalismo que ainda me permeiam. Creio que isso também pode ser debitado como uma característica da produção daquele período, tanto que escutando um tos trabalhos mais recentes da banda, lançado em 2012, a interpretação vocal me agradou bem mais, pois já não havia mais tanto vibrato e a afetação estava mais comedida. Além disso, nos anos oitenta, a coisa era mais exagerada, tinha reverb em tudo! Performances à parte, tem que ser dado o devido crédito ao vocalista Joey Tempest: ele compôs o álbum inteiro sozinho, tendo apenas uma parceria na música Carrie. Talento não falta ao sujeito.
Deixando de lado os detalhes de timbre vocal, o restante é exatamente o que se espera: um grande disco de rock de arena, perfeito para ter suas canções executadas ao vivo, ou para ser ouvido atrás do volante. A música Rock the Night, por sinal, é a mais autêntica representação desse tipo de som, bem oitentista. Em destaque, também, tenho que citar a dobradinha Heart of Stone e On the Loose. Essas foram as canções que mais me agradaram, talvez justamente por terem interpretações mais sóbrias, sendo que a primeira tem algo de Scorpions em sua levada.
Por fim, me chamou a atenção o fato de um guitarrista tão talentoso quanto John Norum não ter contribuído com nenhuma música para o disco. Provavelmente por questões internas do funcionamento da banda, mas é certo que Norum nunca passa despercebido. Cada intervenção sua, cada solo, parece ter sido meticulosamente pensado, mas sem deixar de soar natural. Não tem uma nota fora do lugar, não tem nenhum excesso gratuito. É tudo sempre feito com extremo bom gosto.

Esse disco, portanto, merece ser ouvido. E muito. Mas, tal qual a música que o nomeia, não se prenda a ele: o Europe tem muitos outros discos tão bons e, às vezes, até melhores do que este. Limitar-se a um hit ou a um álbum de sucesso é perda de tempo. Ninguém usufrui completamente do talento de  um artista se fica restrito a apenas um capítulo de sua história e o Europe tem uma história pra lá de empolgante.

domingo, 10 de julho de 2016


HELLHAMMER - APOCALYPTIC RAIDS
Mórbido.
Nenhuma palavra pode definir melhor o que é a essência do ser humano Tom Warrior do que mórbido.
Ele mesmo viria a utilizá-la no futuro, para nomear um de seus discos, mas o seu significado sempre esteve vinculado a sua personalidade. Colocar a palavra mórbido no nome de um de seus discos era uma reles confirmação de suas intenções, pois, no período gestacional inverso de nove meses antes do álbum Morbid Tales, Tom Warrior trouxe ao mundo uma lenda que precisou de apenas quatro faixas para se perpetuar, o EP Apocalyptic Raids, do Hellhammer.
Não consegui informações sobre a autoria das músicas, então não sei informar se são da assinatura exclusiva de Tom Warrior, mas por esse ser a figura de frente da banda, seu nome é sempre o primeiro a ser mencionado. No entanto, há que se lembrar de outro ente tão sombrio quanto ele, – ou talvez até mais –  e que também deve ser responsabilizado pelo legado que o Hellhammer deixou: o baixista Martin Ain. O aparte que houve no relacionamento profissional e criativo dos dois é o motivo pelo qual, provavelmente, nunca mais teremos o Celtic Frost em atividade e esse vínculo é que me leva a crer que Ain era coautor das músicas, inclusive pelo fato dele assinar várias das composições na era Celtic Frost.
Embora, como já foi dito, o material original só tenha quatro faixas, a avidez por coisas do Hellhammer nos torna obrigatório o dever de mencionar as duas músicas adicionais que foram colocadas em relançamentos do disco: Revelations of Doom e Messiah, que vieram à luz, inicialmente, em uma coletânea do mesmo ano, chamada sintomaticamente de Death Metal e da qual apenas o Hellhammer fazia jus ao nome entre os presentes.
Existem outras faixas espalhadas por aí, retiradas de demo-tapes, mas o melhor da banda está nessas seis músicas. O fator morbidez, ao contrário do que possa se imaginar a principio, não está atrelado ao andamento das músicas. A faixa não precisa ser lenta pra soar soturna e isso está bem claro aqui, onde apenas uma das composições é mais arrastada, mas a sujeira, a performance e a interpretação traziam a perversão para um gênero que ainda estava muito arraigado na melodia. Horus/Agressor, Massacra e The Third of The Storms soam como um passo adiante do que o Venom fazia. Discutir capacidade técnica ou instrumental seria completamente absurdo nesse caso, mas não se releva o que os artistas criaram a partir de suas próprias limitações. E se estabelecermos que o Hellhammer, nessas músicas, já apresentava propostas distintas do Venom ou do Bathory, em Triumph of Death a coisa realmente extrapola.
Triumph of Death é um fenômeno! Musicalmente, fica claro pra qualquer um, que a faixa não tem nada de mais. É composta apenas de dois riffs, extremamente simples, que se repetem ao longo de seus nove minutos. Mas você não vê esses nove minutos passarem! Você fica absolutamente hipnotizado pela composição, pela forma como ela soa crua, maligna, insana. Eu realmente não vejo Venom, Bathory, Sodom, ou qualquer desses outros baluartes da crueza fazendo algo parecido. Eu não vejo que ninguém pudesse fazer algo parecido, apenas o Hellhammer.

Independente do nome ou da encarnação – Hellhammer, Celtic Frost, Apollyon Sun ou Triptykon – independente de o tempo ter trazido aprimoramento técnico e refinamento das composições, nada disso diluiu a aura negra que cerca esses músicos. O que eles fazem hoje é mais bem produzido, sem dúvida, mas tudo é a sequência lógica do que aconteceu em 1984, quando o Hellhammer deu início às incursões do apocalipse em nosso mundo.   

sexta-feira, 8 de julho de 2016



Com a notícia da aposentadoria de Cliff Williams, após a perda de Malcolm, Phil e Brian, chega mais perto o momento do fim. Hora de recuperar um velho texto.

AC/DC - POWERAGE
E houve um dia em que um jovem adolescente, que ainda não entendia direito como era esse negócio de rock, escutou pela primeira vez o AC/DC... O que eu devo fazer agora? Talvez nada, pois estou meio atordoado, perdido em um estado entre o maravilhado e o confuso.
Então isso que é rock? Rock de verdade? Parece ser um pouco diferente daquelas coisas que tocam no rádio... É mais alto, as batidas são mais fortes, tem um certo deboche... Aquilo tudo são sons de guitarra? É tão diferente daquelas coisas magrinhas do rádio! E esse sujeito da capa é o vocalista? Essa voz tem jeito de que está saindo desse cara... Aliás, por que é que ele está sempre vestido assim???
Powerage tem esse efeito sobre mim e sempre terá. Acho que toda vez que escutar esse disco eu vou lembrar de onde estava, com quem estava e até do que estava comendo. Está tudo fixo na minha memória como se fosse um retrato. Tanto o ambiente quanto as sensações. Cada música soava absurdamente inusitada. Riff Raff era muito, muito rápida! Nada podia ser mais rápido do que aquilo!
Meus discos preferidos do AC/DC sempre serão Powerage e Flick of the Switch. Não me importa o que contradizem a crítica especializada ou o consenso geral. Esses álbuns foram meu primeiro contato com a banda e, entre alguns poucos outros, meus primeiros contatos com rock pesado. A memória afetiva aqui é altíssima.
Vendo sob a perspectiva atual, é impressionante que nenhuma das faixas aqui faça mais parte do repertório da banda em suas turnês. Não dá pra uma banda, com o catálogo que o AC/DC tem, mexer muito em seu setlist sem que provoque reclamação de um ou outro, mas, mesmo que as músicas aqui não fossem representativas de um período mítico de sua carreira, como são os anos com Bon Scott,  todas tem fôlego suficiente para se fazerem presentes até hoje, tanto pela qualidade, pela vibração, como também pela variedade. Um único disco, que contém canções como Down Payment Blues, What´s Next To The Moon, Kicked in the Teeth, Gimme a Bullet, Up To My Neck In You e a excepcional Sin City, com sua chamativa linha de baixo, sobre a qual Bon canta de um jeito quase falado, são a mais pura definição de clássico, de tudo que surgiu de melhor no hard rock dos anos setenta.
Reverenciar Bon ou Angus é chover no molhado, Malcom era o cabeça e um dos melhores guitarristas base que já se viu, Cliff é um grande baixista, que teve que soar discreto para não destoar da proposta da banda, mas o baterista.... Podem falar o que quiserem, mas Phil Rudd é um dos melhores bateristas de todos os tempos e ponto final. Sua simplicidade é tão complexa que nenhum de seus substitutos conseguiu emular a sua pegada única e a sua contribuição para o som da banda. Bateristas que se destacam pela levada simples são um grupo extremamente restrito, do qual pode-se citar poucos exemplos, como Charlie Watts e Ringo Starr.
Da mesma forma, o conjunto é peça restrita de um pequeno clube de bandas que crescem na simplicidade. Apareceu para mim no momento certo, portanto, pois minha mente, ainda uma tabula rasa para esse tipo de música, precisava ser alimentada aos poucos, mas isso não significa que eu esteja sugerindo que o disco tem menos vigor do que outras coisas que viriam depois. De modo algum! Ele ainda me soa tão pesado e cheio de personalidade quanto o foi há mais de trinta anos passados.



sexta-feira, 1 de julho de 2016



FIGHT – WAR OF WORDS
Rob Halford é o cara! Tem uma carreira impecável e uma influência ímpar, não se limitando a repousar sobre os louros de ser um dos criadores e formatadores do estilo heavy metal, mas prosseguindo na exploração de outras vertentes do gênero, arriscando-se fora de sua zona de conforto. Sim, teve o momento da banda 2wo, junto com Trent Reznor, que, de fato, não foi muito bem sucedido, mas mesmo ali estava presente aquilo que mais importa: a voz! Aquela voz!
Quando se apartou do Judas Priest, e chocou todo o meio musical no processo, imediatamente engatou um novo projeto, com uma nova banda, uma nova musicalidade e até mesmo uma nova postura de palco. Halford juntou alguns novatos extremamente competentes, reforçados pela presença de Scott Travis na bateria, enquanto o restante do Judas Priest refletia sobre os rumos a tomar, e formou o Fight, aproximando-se muito do que o Pantera estava fazendo na época, ou seja, metal com groove.
Halford nunca escondeu o quanto admirava a banda texana, além de sempre estar expressando a sua paixão por coisas bem pesadas, como Slayer e até grupos de black metal. Fazer o Fight soar da forma que soou foi a decisão acertada, afinal, é a velha história: pra que iniciar um novo projeto fazendo a mesma coisa que fazia na banda anterior?
A capa, preta com caracteres brancos, já chamava a atenção pelo fato de ser bem fora do padrão do modelo mais tradicional de capas de discos de heavy metal. O conteúdo, por outro lado, não se alienava do estilo mas, como já foi dito, soava bastante moderno, já apresentando de imediato, duas grandes faixas, Into the Pit e Nailed to the Gun, com Rob praticando tons altíssimos. Passadas essas faixas exordiais, o jogo já está ganho e pode-se diminuir um pouco o andamento, com uma faixa mais climática, mais soturna, como Life in Black. Mantendo-se nessa alternância entre canções mais rápidas ou cadenciadas, o que permanece constante é a força do trabalho como um todo, mostrando como Halford, que compôs sozinho o disco inteiro, é um artista versátil. As faixas Immortal Sin, Vicious, Kill It, Laid to Rest, For All Eternity, Contortion e Reality A New Beginning são os outros destaques do álbum, que apesar de ter sido muito bem sucedido, não deu fôlego à banda para manter o pique no segundo disco, que ficou meio esquecido e gerou o final prematuro da banda. O baixista Jay Jay e o guitarrista Brian Tilse ainda passaram um curto período de tempo na banda Halford, projeto do cantor já mais tendente para a sonoridade clássica do Judas Priest, e o outro guitarrista, Russ Parrish, segue hoje atuando em uma medíocre imitação de banda chamada Steel Fox.
A banda Fight teve uma carreira curta, mas significativa, deixando esse grande disco para a posteridade. Mesmo que o Judas Priest encerre atividades, não creio que Halford reinicie o grupo e é melhor assim. O Fight foi a aposta certa, na hora certa, e hoje os tempos são outros. A única certeza que eu tenho é a de que o vocalista sempre virá com algo interessante para apresentar, afinal, ele é o cara!

sábado, 25 de junho de 2016


MACHINE HEAD – UNTO THE LOCUST
Tem épocas que bate um desânimo desgraçado. Tudo parece estar meio morno, sem vida, sobrevivendo apenas no piloto automático. Os medalhões da música seguem ativos, mas lançando discos que são bons e.... e só. São bons mas não impulsionam o gênero para diante, não instigam como faziam no passado. Escuta-se uma vez, duas e esquece-o na prateleira.
Não existe nada de errado com isso, muito pelo contrário, afinal, repita-se, são discos bons, mas de vez em quando é bom receber uma chacoalhada. Ter contato com algo que foi feito pensando-se, como se diz atualmente, fora da caixa. Quando isso acontece proveniente de um artista novo é ótimo, claro, mas para mim a satisfação é quintuplicada quando as viradas de mesa vem de um veterano.
Robb Flynn é a figura central do Machine Head, mas já atua no cenário desde 1985, quando estava junto do Forbidden. Não chegou a gravar o disco de estréia, mas cravou três faixas de sua autoria nele. Formou, na sequência o Vio-Lence, onde ocupava apenas a função de guitarrista, e alcançou o ápice de sua trajetória, como líder de uma banda, no Machine Head.  O álbum de estréia deste último, chamado Burn My Eyes, foi lançado em 1994 e é bem representativo do thrash metal daquela época.

Ocorre que, depois do segundo disco, a banda entrou numa montanha-russa estilística e enveredou com força na tendência nu-metal antes de fazer a guinada para o que está praticando hoje em dia. Nada contra o nu-metal em si, mas ficou claro a tentativa de pegar carona naquela onda, principalmente quando comparamos o resultado dos trabalhos com o dos primeiros discos. De qualquer forma, o que viria depois foi o suficiente para compensar qualquer tipo de pecados. Desde o disco Through the Ashes of Empire que o Machine Head vem num crescendo de técnica, composição e criatividade que chegou às raias do fantástico nesse Unto the Locust. Permitindo-me a liberdade de tentar definir o conteúdo do disco, eu diria que o Machine Head faz prog thrash. Eu creio que a palavra thrash, colocada junto a prog, vai alterar o conceito desta última, principalmente para quem compreende o termo prog em sua forma mais ortodoxa. Me parece, às vezes, que boa parte das pessoas só interpreta o prog, ou progressivo, em seu significado mais reducionista. Ser prog não é apenas fazer viagens instrumentais de 20 minutos, baseadas em conduções de teclado. Ser progressivo significa propor avanços, fusões, experimentações. E o Machine Head, em sua atual fase, veio pródigo nesse sentido, apresentando músicas fortes, pesadas, rápidas, mas também cheias de variações, detalhes e soluções de arranjo que, reconheça-se, mantiveram sua sonoridade noventista mas, ao mesmo tempo, incorporaram elementos atemporais, apresentando-se como um passo evolutivo do thrash metal. Robb Flynn resgatou seu parceiro de seis cordas da época do Vio-Lence, Phil Demmel, e a química entre os dois trouxe o Machine Head até essa atual posição, como uma banda que resgatou um sentimento que vai cada vez mais escasseando em mim: a expectativa e a ansiedade por cada novo disco.

sexta-feira, 17 de junho de 2016



ROLLING STONES – LET IT BLEED
Não se costuma ver, frequentemente, o nome dos Rolling Stones sendo colocados ao lado de seus devidos pares, que seriam bandas como Led Zeppelin, Cream ou Who. Uma boa parte deve discordar, mas essa é a minha opinião. Os Stones não tinham, obviamente, a vontade de mergulhar nas jams instrumentais que caracterizavam as duas primeiras, ou nas viagens temáticas que Pete Townshend desenvolvia para a última, pois o foco do grupo sempre foi o rock´n´roll e o blues. Sim, fizeram várias experimentações no decorrer de seu longuíssimo trajeto, flertando com vários outros ritmos, como reggae e disco music, mas nunca se desviaram da essência. Os Stones, no vinil ou no palco, é uma formação que pode até ser igualada, mas dificilmente será superada.
A trinca de discos que começa em Beggar´s Banquet e termina em Sticky Fingers representa, para mim, o ápice criativo do conjunto. O disco intermediário, conhecido com Let it Bleed, é o meu preferido e, curiosamente, é intermediário também no momento pessoal pelo qual a banda passava. Brian Jones estava saindo e Mick Taylor estava chegando. Os dois participaram do álbum mas nenhum chegou a gravá-lo por inteiro, fazendo apenas pequenas participações em duas músicas cada um. Keith Richards fez, praticamente, todo o trampo sozinho. Eu não me incluo entre as pessoas que, atualmente, elevam Keith a esse status de semideus que parece ter retroalimentado o próprio ego do sujeito, apesar de que ele é realmente genial, mas o fato dele ter tido tal desempenho nesse disco, tão válido para mim, diz muito sobre o guitarrista, se é que tudo já não foi dito.
E não há dúvidas de que os Stones eram uma superbanda. Os comportamentos discretos de Charlie Watts e Bill Wyman eram pouco mais do fachadas para dois músicos excepcionais, donos de talento e bom gosto, e tão importantes para o grupo quanto o são Richards e Mick Jagger. É graças a eles que as introduções de Live With Me e Monkey Man soam tão lindas. Aliás, todos os arranjos desse álbum são algo além do sublime. É dura a tarefa de qualquer música obter destaque em um disco que começa com Gimme Shelter e termina com You Can´t Always Get What You Want, mas o repertório presente mantém no miolo o carisma contido nas suas extremidades, inclusive porque canções como essas não são simplesmente clássicos dos Stones, ou clássicos do rock. Elas vão muito além disso: são clássicos da música universal, são clássicos da cultura humana, que ultrapassarão nossa geração e serão cultuadas e celebradas muito depois que os artistas não estejam mais aqui.
Um exército de músicos colaborou junto com a banda para a realização desse disco, sendo que alguns, como Bobby Keys e Nicky Hopkins, eram parceiros habituais. O mais célebre de todos, porém, era o pianista Ian Stewart, que foi co-fundador do grupo mas, por questões empresariais, mantinha-se à parte dos holofotes que incidiam sob o quinteto principal. A única participação de Ian aqui foi na música que deu nome ao disco e foi a sua atuação que tornou a canção aquilo que é. Desde o respeitoso tom concedido à cover de Love in Vain, de Robert Johnson, até a intensidade de Midnight Rambler, estão explícitos os alicerces que fazem com que a banda ainda seja atuante e relevante. Não nos importemos com o fato de que algumas pessoas encontrem diversão fazendo piadas com a faixa etária dos músicos porque, afinal, se não fosse por esse inevitável fato, eles não encontrariam outros motivos para tecer críticas aos Rolling Stones.

sexta-feira, 10 de junho de 2016



SODOM – AGENT ORANGE

Violência,hostilidade, selvageria, raiva, ódio, fúria, agressão, sangue, morte, guerra, insanidade, malevolência, sujeira, peso, velocidade, heresia, sarcasmo e uma vontade infinita de mandar que qualquer um vá encher a paciência do diabo no mais distante dos infernos.
Pronto. Se terminasse por aqui já poderia considerar a resenha completa. Já teria dito o essencial para transmitir a compreensão do que é o Sodom.
E o Sodom é exatamente isso. É a música heavy metal desprovida de todos os excessos que foram encaixando nela ao longo dos anos. É uma descarga sônica sem gorduras. Não é gratuito o fato de que os subestilos mais extremos, como o black metal e o death metal, devam um tributo imenso aos caminhos que o Sodom pavimentou. Mas Tom Angelripper não é o tipo de sujeito que fica arrotando sua influência por aí. Ser influente, ser um dos criadores de novas vertentes do metal, não o mudou e nem mudou sua banda. Ele é o típico sujeito de postura largadona, que acende um cigarro, pega uma cerveja e bota os pés em cima da mesa, antes de subir no palco e mostrar aos neófitos de onde veio a brutalidade do metal atual. Ouvir um disco do Sodom faz com que você esqueça que existem coisas mais extremas por aí, pois, em grande parte dos exemplos, essas se empenham tanto na corrida pra ver quem é mais rápido e pesado que acabam minimizando o fator carisma em suas composições. E, não raro, o carisma reside justamente naquelas músicas que são mais voltadas para o básico.
 A palavra coerência não foi utilizada lá no primeiro parágrafo, mas cabe como uma luva em relação à banda, pois, desde seu primeiro EP até o mais recente disco, a mudança mais evidente é a de produção, mas não de pegada ou estilo. Não considero que Agent Orange seja essencialmente superior ou inferior aos demais discos, ele segue o mesmo padrão, e, embora as constantes mudanças de integrantes dificultem apontar que o Sodom tenha tido uma formação clássica, a que se fez presente aqui pode cumprir esse papel, pois além do líder, Angelripper, tinhamos também o baterista Witchhunter, presente desde o início da banda, e o guitarrista Frank Blackfire, que depois teria uma passagem pelo Kreator.
Algumas das faixas mais emblemáticas da carreira da banda estão nesse disco, como a própria Agent orange, a excepcional – e uma de minhas sempre favoritas – Remember the fallen, a mais do que clássica Ausgebombt, e a também excelente Tired and red.  Baptism of fire e Magic Dragon também merecem ser mencionadas, sendo que essa última, apesar do título, não tem nada a ver com temáticas de power metal, referindo-se a um modelo de avião que foi utilizado na guerra do Vietnã.  
O Sodom, tal qual os demais baluartes do thrash alemão, está mais forte do que nunca e parece que tão cedo não irá pendurar as chuteiras. Que assim seja, pois naqueles períodos em que as coisas parecem estar estagnadas e sem ânimo, sempre iremos precisar de uma música que traga violência, hostilidade,selvageria, raiva, ódio, fúria,...

sábado, 4 de junho de 2016



JUDAS PRIEST – HELL BENT FOR LEATHER

Novamente se trata daquela benção, de possuir um catálogo tão privilegiado, que qualquer pessoa tem que refletir um pouco antes de nomear qual é o disco mais clássico entre os outros clássicos. Ter um acervo onde até os trabalhos menos inspirados ou mais polêmicos são essenciais e relevantes. Hell Bent For Leather, juntamente com Stained Class, me passam a impressão de serem meio como pérolas perdidas dentre a discografia da banda. Qual o melhor disco do Judas Priest? Rapidamente alguém vai citar British Steel, Screaming for Vengeance, Painkiller, Sin After Sin ou algum outro, mas aqueles dois são pouco lembrados no momento de uma resposta mais imediata. Não descarto a possibilidade de que essa seja uma impressão equivocada, sob uma ótica brasileira, gerada pelo fato desses dois álbuns terem sido lançados muito tardiamente por aqui.
Hell Bent for Leather é o álbum que fecha o ciclo dos cinco discos lançados antes do ao vivo Unleashed in the East, que antecede o lançamento de British Steel e faz a divisória entre o Judas dos anos 70 e o dos anos 80. Eu sempre considerei a obra do Judas Priest como algo muito coeso. Não existem oscilações extremas de identidade. Do Turbo ao Painkiller, de Sad Wings ao Defenders, tudo soa como Judas Priest. A presença de Rob Halford, vocalista-mor do heavy metal, e o trabalho siamesco desenvolvido por Glen Tipton e K. K. Downing são selos que revelam não apenas a personalidade da banda, mas as bases que fundamentam todo o estilo. Se o Judas passeou com desenvoltura do hard quase glam de Turbo até o thrash de Painkiller, é porque os artistas mais emblemáticos desses subestilos já utilizavam elementos da banda inglesa em suas composições.
Hell Bent for Leather foi lançado em 1978, mas é o disco menos setentista de seu período. Em termos de desempenho, o disco antecede, quase como um prólogo, o que seria apresentado em British Steel, com faixas mais concisas e diretas, além da variedade intrínseca. A formação era a que continha o praticamente inalterado quarteto, com o acréscimo do baterista Les Binks, cuja passagem pela banda desenvolveu-se justamente no período dos três discos entre Stained Class e Unleashed in the East .
A faixa título é a grande sobrevivente do repertório do álbum, nos setlists dos shows, seguida esporadicamente por The Green Manalishi, mas como seria prazeroso se eles ainda pudessem encontrar espaço para executar clássicos como Running Wild ou Delivering the Goods. Há um forte gancho na melodia de faixas como Evening Star, Take On the World, Rock Forever e da balada Before the Dawn, colaborando para o potencial de vendas do disco, sem que o mesmo descambe para o mero comercialismo, e balanceando com o clima mais hard setentista de músicas como Killing Machine, Burnin Up e Evil Fantasies.
Quando eu comecei a escutar heavy metal, o Judas já era uma lenda. Do ano de sua estréia até o British Steel, passaram-se seis anos, que totalizaram seis discos de estúdio. Às vezes eu fico imaginando como deve ter sido a experiência de quem acompanhou o conjunto em sua época, comprando os discos no momento de seu lançamento e vibrando com o fato de que cada um era melhor do que o outro. Não seria diferente da experiência que tive com Metallica ou Slayer, que de certa forma foram meus contemporâneos, mas esses últimos, embora inaugurassem a linguagem thrash, nasceram sob a égide de uma cultura heavy metal já estabelecida.
Na época do Judas, eles estavam criando essa cultura.  

sexta-feira, 29 de abril de 2016



GRAVE DIGGER - TUNES OF WAR

Como eu gosto desse disco!
O Grave Digger é aquele tipo de banda privilegiada que não possui álbuns ruins. E é tão esperta que o único trabalho realmente questionável de sua carreira foi registrado com outro nome: Digger, apenas.
Em Tunes of War a banda optou por investir em um lançamento conceitual, o primeiro de sua trajetória, com canções em tons épicos, cheio daqueles corais que caracterizam o estilo, mas sem deixar, um só momento, de soar como Grave Digger, de apresentar o power metal alemão que os revelou para o mundo, capitaneados pelo vocalista Chris Boltendahl que, nessa época, era escudado pelo guitarrista Uwe Lulis e juntos compuseram e produziram o típico disco conceitual perfeito, onde cada música tem vida própria, independente das restantes.
Toda a dinâmica do álbum segue a regra de narrativa cinematográfica, com um início que prende sua atenção, em faixas como Scotland United, The Dark of the Sun e William Wallace (Braveheart), dando uma respirada na parte intermediária, e lhe preparando para o climax, que vai de The Truth até Culledon Muir, tendo como destaque a já clássica Rebellion (The Clans Are Marching). Tunes of War, lançado em 1996, é um disco que você pode esfregar na cara de quem diz que os anos noventa não foram favoráveis ao metal tradicional.
Como eu tenho raiva desse disco!
Não é que o Grave Digger tenha pisado na bola ou coisa do tipo, mas Tunes of War fez tanto sucesso, de uma maneira que a banda ainda não tinha experimentado antes, que virou o canône do que o Grave Digger faria dali por diante em sua carreira. De uma hora pra outra, tudo que a banda lançava tinha que ser conceitual e épico. Tinha que ter refrões grandiosos e coisa e tal. Não era ruim, mas a banda era bastante competente quando fazia seus discos, digamos, normais. A coisa chegou a um tal ponto que os novos fãs receberam um pouco a contragosto os discos posteriores em que a banda praticou sua pegada clássica. Álbuns como o autoititulado The Grave Digger não tiveram vendas tão boas justamente pelo fato de não haver músicas com os climas épicos. É lamentável, porque a banda tem um catálogo excelente nessa sua linha mais tradicional, com discos empolgantes como The Reaper e Heart of Darkness, sem falar, é claro, nos dois clássicos absolutos que são Witch Hunter e Heavy Metal Breakdown. Creio que os fãs mais antigos conseguem conviver bem com esses dois modos do Grave Digger se expressar, mas fãs mais novos, em sua maioria, são alienados em relação aos primeiros anos da banda.
Em síntese:

É óbvio que os questionamentos sobre as diretrizes definidas pela banda não podem recair sobre um trabalho específico. Gostando-se ou não do que o Grave Digger faz, isso não irá macular os méritos de um excelente álbum. O Grave Digger alcançou, com Tunes of War, o ápice de sua popularidade e tem tido a competência de mantê-la estável desde então. Encontraram um nicho em que tornaram-se diferenciados sem perder a própria essência. Em um cenário tão disputado quanto o é o da Alemanha, e sofrendo todas as mudanças de formação que lhe afetam, não é fácil manter-se tão relevante. Que continuem em destaque.

sábado, 23 de abril de 2016



DEMON – NIGHT OF THE DEMON

Existem algumas atitudes alheias que me desanimam. Minha paciência, que a cada ano fica menor, não aguenta mais determinadas posturas, embora eu me cale a respeito porque, afinal, o que cada um opta por escutar ou não escutar não é da minha conta.
Mas, na minha avaliação pessoal, eu entendo que não existe estilo ou corrente musical que seja ruim por definição. E nem boa, diga-se. New (ou Nü, sei lá) Metal não é necessariamente ruim tanto quanto Metal Tradicional não é necessariamente bom.
Talvez eu leve pedradas por isso, mas – e é aqui que eu queria chegar – não é só porque algo é feito sob a sombra das letrinhas NWOBHM que isso vai ser bom, clássico, histórico ou essencial. Não. A NWOBHM foi um momento único, fantástico, que formatou praticamente tudo o que veio depois em termos de heavy metal, mas daí a dizer que todas, absolutamente t-o-d-a-s, as bandas que fizeram parte daquele período são dignas de serem ouvidas ou sequer lembradas, vai um longo caminho.
E pior, quando o assunto é aquele movimento, apenas uma minoria vai citar bandas que não sejam Iron Maiden, Def Leppard ou Saxon, sendo que apenas esta última manteve traços da sonoridade que os revelou. Felizmente, bandas como Grim Reaper, Tygers of Pan Tang, Tank ou Diamond Head são esporadicamente lembrados ou mencionados, mas pouco se recorda de bandas como Raven, Praying Mantis ou Demon, que geralmente demandam uma busca mais profunda dentro da memória da maioria. E não merecem isso. Qual seria a relação dos brasileiros com o Demon se os seus dois primeiros discos não tivessem sido lançados aqui em vinil nos anos 80? Mesmo nossas mais consagradas revistas especializadas não davam muita pauta para o grupo naquele tempo e o fato da banda não ter alcançado o mesmo nível de consagração mundial que aquelas outras obtiveram deixaram-nos na situação de respeito dentro da cena doméstica de sua Inglaterra natal, mas sem atravessar demais as fronteiras europeias.
Fato lamentávl, sem dúvida, mas que não esmoreceu o conjunto, que persiste em atividade até nossos dias, tendo apenas o vocalista Dave Hill como membro permanente. Em sua primeira fase, porém, ele teve o apoio do guitarrista Mal Spooner nas composições e, juntos, criaram canções que mesclavam o metal britânico com uma pegada hard muito evidente, resultando em faixas cativantes com refrões marcantes. Não pense que a dita pegada hard os levou para um caminho similar aquele que foi percorrido pelo Def Leppard. Não foi. O hard que predomina nas composições do Demon tem toda a caracterização inglesa, bem longe de qualquer tentativa de se adaptar para abocanhar fatias de mercado americano. As duas primeiras faixas do álbum, Night of the Demon e Into the Nightmare deixam isso bem evidente, através de melodias carregadas de carisma, que fazem com que a pessoa se sinta naturalmente impelida a cantar junto sem que o frontman tenha que ficar pedindo por isso. Como também não poderia deixar de ser, o onipresente espírito do Judas Priest se mostra bem claro, principalmente na última música do disco, que poderia estar em qualquer dos trabalhos da lenda inglesa.
Night of the Demon, com sua brilhante capa, não é um disco que define o estilo, mas o representa com todos os méritos. Foi lançado há 35 anos e sempre será um prazer fazer a sua audição. A NWOBHM está dignificada aqui.

sábado, 16 de abril de 2016



AT WAR – ORDERED TO KILL

Uma breve narrativa para exemplificar o que é o At War: Motorhead e Venom tiveram um filho juntos, e o bebê nasceu nos Estados Unidos. Pronto.
A partir daí, creio que qualquer pessoa possa fazer sua imagem mental de como essa banda soa. Mas não se prenda ao conceito, porque se o grupo fosse apenas uma imitação de um ou outro dos conjuntos ingleses, eu não me daria ao trabalho de escrever sobre eles. Tem que haver o elemento personal e ele existe aqui. As influências são bem claras, mas a banda agrega seus próprios maneirismos e é, por isso, lembrada por mim até hoje.
Essas associações não são gratuitas, afinal, todos esses conjuntos – e aqui poderíamos também incluir o Sodom - são trios, que fazem música pesada com bastante contundência e tem como figura de frente um baixista e vocalista de aspecto intimidador, sendo tal posto ocupado por Paul Arnold, no caso do At War. A presença do cover de The Hammer não influi nessa comparação, embora a reforce. O At War detem o invejável privilégio de ter lançado dois álbuns impecáveis em sua curta carreira, ter retornado com a mesma formação depois de mais de vinte anos, e concebido mais um disco, igualmente impecável, soando tão bom e relevante quanto o foi em sua origem. Isso é prova de convicção, de quem sabe o que está fazendo e tem objetivos bem traçados e definidos.
Ninguém vai encontrar arranjos mais elaborados aqui. Intros melódicas, dedilhados ou coisas do tipo. A graça do At War está em seu thrash absolutamente cru e direto, amparado pelos temas bélicos que o Sodom só iria assumir como mote bem mais à frente no tempo. Solos são apenas pequenos trechos colocados no intervalo entre os riffs e todo o conjunto parece carregar nos timbres mais graves, reforçando o peso de forma absoluta. O primeiro grande clássico de seu repertório é a faixa título, que inicia o álbum de forma tão contundente que parece que ela está lhe prendendo imobilizado no chão, com o pé em cima de seu pescoço. A mesma impressão é passada também pelas faixas Eat Lead e, principalmente, pela excelente Rapechase. Essa última faixa é a síntese de como o metal deve ser, de como ele deve impactar o ouvinte. É como um esqueleto ao redor do qual ossos e pele se desenvolvem. Rapechase é, portanto, uma música básica, bem exemplificativa do tipo de estrutura padrão a partir da qual podem-se inserir as mais variadas idéias de arranjo e personalizar infinitos modos de tocar metal extremo.
Essas três são os grandes destaques do disco, mas as demais músicas, como Ilsa (She Wolf of the SS), Mortally Wounded, Dawn of Death e Capitulation também merecem menção. Esse disco pode não aparecer nas listas de melhores de todos os tempos, mas merece ser conhecido e estar presente na coleção de qualquer um. Ele é um perfeito exemplar de thrash metal, de um modo que não se faz mais, ou, salvo poucas exceções, quando se tenta replicar soa estranho e datado. Os artigos genuínos estão isentos dessa definição. Nunca soam datados.
Soam históricos.

sábado, 9 de abril de 2016



MERCYFUL FATE – MELISSA

A Dinamarca, não era um país com tradição em heavy metal, ao contrário dos gigantescos mercados americano e inglês, reforçados posteriormente pela emergente Alemanha. Sua própria posição geográfica, entre o território germânico e os demais países do bloco escandinavo, evidencia, em parte, um grau de distanciamento necessário para a formação do som de bandas com personalidade própria: de um lado, a fronteira com um país que vinha crescendo em tradição metálica – carregada de melodia - e, de outro, a proximidade com Suécia e Noruega, que viriam a gerar, no futuro breve, um grande levante de bandas de death e black metal.
Talvez por isso, a música do Mercyful Fate soou tão distinta quando surgiu para o mundo. Junto com o Pretty Maids, ambos foram os primeiros grandes expoentes do heavy metal naquele país, em 1983, mas ao contrário deste último, cujo som navegava em ondas mais tradicionais, as músicas do Mercyful Fate tinham um punch diferenciado, soando completamente diferente de qualquer outra banda do cenário. Mesmo que as influências fossem identificáveis, o Mercyful Fate soou absolutamente único, apresentando uma musicalidade que era tão intrincada quanto cativante. Se o Judas Priest se tornou um gigante, quando em 1980 deixou sua música mais direta, com o álbum British Steel, o Mercyful Fate rumou em sentido contrário, carregando sua música com inúmeros riffs, mudanças de andamento, variáveis tantas que por si só já chamariam atenção, mas foram amplificadas pelo efeito vocal único – e até hoje inimitável – de King Diamond. O que King fez não tinha precedentes e , da mesma forma, não tem imitadores. Ninguém nunca se arriscou a tentar expor alguma influência de seu vocal. Não naquele nível e, pelo jeito, deve permanecer assim.
Tudo isso, que já seria suficiente para trazê-los aos holofotes, ainda foi reforçado pelas letras satânicas, com desenvolvimento mais elaborado do que era até então praticado. Infelizmente a banda implodiu após o segundo – e igualmente perfeito disco – e quando resolveu retornar, teve que amargar um desmerecido segundo lugar nas prioridades de carreira de King Diamond, que obteve mais sucesso de mercado com seu projeto solo autointitulado. Terminar depois do segundo disco, porém, foi influente para que a banda obtivesse o status de cult, de lenda, que hoje detém.
Embora King Diamond receba uma merecida parcela de evidência, é necessário que seja dado um igual destaque para o guitarrista Hank Sherman, afinal ele compôs todas as faixas do álbum, cabendo a King a inserção das letras. Hank Sherman e o também guitarrista Michael Denner, precisaram de  apenas dois discos para marcarem seus nomes entre as principais duplas de guitarra do heavy metal, em um universo restrito onde trafegam membros do Iron Maiden, Judas Priest, Helloween e poucos outros.

O disco Melissa é tão primoroso que, por mais que eu queira, vou evitar mencionar o nome de qualquer uma das canções, pois não há como estabelecer distinções aqui. Tudo é concebido e executado com inspiração extrema. Tão extrema quanto os temas abordados e o maravilhoso contraste que estes causam em meio à tanta complexidade musical e performance.

sábado, 2 de abril de 2016



WHITE ZOMBIE – ASTRO CREEP 2000

Cada vez que eu recupero, aqui nesse espaço, alguma banda caracteristicamente vinculada aos anos noventa, eu vejo que essa época foi, na verdade, muito boa. Não foi explosiva como os anos oitenta, mas gerou bastante coisas interessantes.
É certo que muita parte do que veio à tona no período foi marcado pela fusão de estilos: heavy metal, industrial, punk, rap, progressivo, e sabe-se lá quantas variáveis musicais fundiram-se entre si e geraram os mais diversos híbridos. Se os resultados foram positivos ou não, cabe a cada um dizer, mas vale lembrar que importa mais a abordagem dos artistas do que a nomenclatura do estilo. Nem tudo que é industrial é bom ou ruim por definição. Ou grunge, ou gótico, ou new metal, ou seja lá o quê. Cada banda é, ou deveria ser, seu próprio subestilo.
O White Zombie foi um dos conjuntos mais simbólicos dos anos noventa e desenvolveu uma mistura um pouco complexa, onde música, imagem e temas se confundem para formar o todo. O som é tendente para o metal, e alguns gostam de catalogá-la como industrial. Eu não posso concordar com essa afirmação. Ministry, Godflesh e quetais são industriais, mas White Zombie não. O fato do White Zombie utilizar samplers em suas faixas não é suficiente para defini-lo como industrial, até porque, em sua quase totalidade, os referidos samplers são trechos de filmes antigos ou sons tenebrosos, tudo combinando devidamente com todo o universo de antigos filmes de horror trash, que a banda homenageia não apenas em suas canções, mas em todo o seu conceito visual, rico e magnificamente desenvolvido – e desenhado – pelo próprio Rob Zombie, a cabeça pensante da banda.
Rob Zombie é um artista inquieto, que desconhece o significado de acomodação. Não é à toa que se aventurou em uma bem desenvolvida carreira de diretor de cinema. Não estou dizendo que ele é o ápice da criatividade, até porque ele deve muito do que faz à Alice Cooper, que foi, de diversas formas, pioneiro em algumas formas de apresentar um espetáculo. E, felizmente, Rob não nega essa influência, muito pelo contrário.
Embora tenha lançado quatro discos, o White Zombie só viu o sucesso comercial a partir do seu terceiro álbum. Os dois primeiros ficaram em um estado de esquecimento tanto dentro da discografia quanto do repertório das apresentações, mas o certo é que os dois últimos trabalhos foram marcantes e extremamente inspirados. Em Astro Creep 2000, o peso espontâneo da banda recebeu o reforço extraordinário de John Tempesta, baterista que já transitou pelo Exodus, pelo Testament, e hoje atua no Cult. Além dele, não dá pra deixar de mencionar a participação da baixista Sean Yseult e do guitarrista J., ambos infelizmente desaparecidos do cenário depois que a banda se desfez.
Astro Creep 2000 não é, porém, um disco absoluto. Tem algumas faixas que não fariam falta caso fossem excluídas, mas quando a banda acertava a mão, valia a pena. Super-Charger Heaven, I Zombie, as duas partes de Electric Head e a clássica More Human Than Human são os melhores momentos. O final do grupo foi precipitado, mas felizmente não deixou seus admiradores órfãos. Rob Zombie prossegue até hoje em carreira solo sem distanciar-se um milímetro da proposta que o consagrou.


sábado, 26 de março de 2016



CATHEDRAL - FOREST OF EQUILIBRIUM
A coisa mais comum do mundo é um músico, após deixar sua banda de origem, ou simplesmente lançar um trabalho solo, afastar-se do estilo que o consagrou. Poucas vezes, porém, um artista se distanciou tanto daquilo que praticava quanto o fez Lee Dorian, depois de deixar o Napalm Death e estrear com sua nova banda, Cathedral.
O Napalm Death é conhecido pelas músicas curtas e velozes e pelos temas voltados à crítica social, características do grindcore, gênero em que se encaixa. Tirando o vocal gutural – que mais tarde também seria abandonado – tudo aqui é totalmente distinto do que o cantor fazia naquela banda.
Forest of Equilibrium não é simplesmente um disco de doom metal: ele é o superlativo do doom, o doom elevado ao cubo! O clima tenebroso transmitido pelas músicas nos levam a imaginar que os temas por ela narrados se passam naquele universo de seres bizarros da ilustração da capa. É também um momento de transição dentro da carreira de Lee, afinal, ele manteve o gutural que utilizava no Napalm, aplicando-o para canções de extrema lentidão. Mais adiante, ele abandonaria esse tipo de interpretação ao mesmo tempo em que as músicas ficariam com um andamento mais dinâmico, adentrando no que hoje chamamos de stoner metal. A faixa Soul Sacrifice é a única que quebra um pouco o ritmo do disco, mais acelerada – mas não muito – e é, de certa forma, o prenúncio do que a banda iria, com igual brilhantismo, fazer adiante na carreira, explorando cada vez mais fundo as influências setentistas.
Em sua estreia, o Cathedral explorava uma forma de fazer doom que hoje eu já assimilei, mas que me soou muito distinta em sua época. Era o período da explosão do death metal, no começo dos anos noventa, e, embora a banda percorresse outro caminho, a utilização do gutural na voz fazia a ponte entre os estilos. Tirando a já mencionada faixa Soul Sacrifice, todas as demais músicas refletem a autêntica sensação de horror, beleza e angústia que chamaram imediata atenção para o seu começo de carreira. Embora o Cathedral seja mais um dos desafortunados grupos que modificam constantemente sua formação, Lee teve a sorte de manter ao seu lado, de forma permanente, a parceria com o guitarrista Gary Jennings, inclusive nas colaborações criativas. Foi a união dos dois que concebeu esse disco que, goste-se ou não, representou um dos caminhos alternativos que o metal tomou durante as indefinições de estilo do começo dos anos noventa, e que conduziu o Cathedral para o status de referência absoluta do stoner/doom metal, ocupando por direito seu espaço ao lado de monstros absolutos do estilo, como Trouble, St. Vitus e Candlemass. Forest of Equilibrium é um disco que eu tenho o prazer de recuperar, de tempos em tempos, e me deleitar com sua musicalidade.
Embora tenha lançado dois trabalhos históricos com o Napalm Death, a saída de Lee Dorian da banda teve efeito positivo dos dois lados. Barney Greenway foi para o Napalm e tornou-se sua representação definitiva; Lee formou o Cathedral e ajudou a formatar o doom metal, tornando-se referência até os dias de hoje.


sábado, 19 de março de 2016




RAGE - TRAPPED

É estranho que uma banda tão boa, seja tão pouco comentada nas conversas com meus amigos. Aliás, nunca é comentada. Se nos referirmos a ela pelo nome de Avenger, com qual gravou seu primeiro disco, Prayers of Steel, creio que todos vão lembrar e exaltar a mesma. Mas, desde que mudou o nome para Rage, foram gravados dez discos até a época em que parei de acompanhar (o álbum XIII, de 1998). Garanto que esse período correspondeu a uma carreira vitoriosa em termos de qualidade, com discos recheados de canções rápidas, pesadas e com refrões carregados de carisma. Peavy Wagner é um compositor privilegiadíssimo que, felizmente, está do lado metal da força. Se fosse compositor de música pop, com a capacidade que tem de criar melodias, estaria milionário.
A opção de escrever sobre Trapped é quase aleatória, pois a discografia do conjunto é bastante equilibrada. O Rage é daquele tipo de banda que pode se dizer que não tem álbuns ruins. Trapped, portanto, não é mais espetacular do que os outros trabalhos, mas tem uma de minhas canções favoritas que é Baby I´m Your Nightmare e a presença dela no disco desequilibra a preferência na minha aferição. Afora isso, a trinca inicial de canções é absolutamente soberba, pois Shame On You, Solitary Man e Enough Is Enough são clássicos merecidos do repertório do grupo, sendo que essa última é aquele tipo de faixa que você acompanha cantarolando deste a primeira nota do riff.

O Rage pode ser melhor associado a uma terceira entre as principais correntes alemãs de estilos de metal dos anos oitenta. A primeira seria a das bandas thrash, na linha Kreator, Destruction, Sodom e Tankard; a segunda corresponde ao levante de metal melódico liderado pelo Helloween, expoente absoluto, e seguido por grupos como Heavens Gate, por exemplo. O Rage, juntamente com Running Wild e Grave Digger, fazem o estilo de metal tradicional, mas com uma pegada um pouco mais forte. Houve quem chamasse de Power Metal, mas creio que essa nomenclatura não é mais apropriada. É metal tradicional e fim de conversa. No entanto, porque o Rage não se tornou tão popular quanto as outras duas bandas? Creio que parte da resposta está no desempenho vocal. Peavy Wagner é um cantor competente e talentoso para a interpretação de suas próprias composições, mas a sua voz não é tão diferenciada quanto o são as de Rolf Kasparek e de Chris Boltendahl. Afora esse detalhe, o grupo é tão bom quanto os demais e merece um garimpo retroativo por quem ainda não tem intimidade com sua obra. Apesar de ser do tipo de banda cuja formação vive alternando ao redor de um líder, sua configuração mais clássica, em formato de trio com a presença do guitarrista Manni Schmidt e do baterista Chris Ephthimiades, foi a responsável por esse disco e mais outros cinco, correspondendo à sua época mais espontânea, antes de gerar o projeto Lingua Mortis e, com seu sucesso, insistir além do necessário nessa linha. O heavy metal puro e clássico, porém, está bem representado em sua primeira fase e o Rage é, sem dúvida, responsável por alguns dos melhores discos do estilo.

sábado, 12 de março de 2016



QUIET RIOT – CONDITION CRITICAL

No tempo em que tudo que você ouvia tinha que ser true, thrash, black, sombrio, maligno e muito agressivo, haviam apenas duas bandas do então chamado false metal que eu curtia e acompanhava: Motley Crue e Quiet Riot. Hoje, eu aprecio vários grupos que eram objeto daquela infame e datada nomenclatura, como Ratt e Doken, e, sendo muito sincero, ainda guardo algumas restrições por outros, como Keel, por exemplo, mas aqueles dois sempre me despertaram uma parcela de atenção e, por muito tempo, o Quiet Riot recebeu de mim uma admiração especial.
Eu não tenho certeza se o meu primeiro contato foi com o video clip na TV ou se foi com o disco na prateleira da loja. É bem provável que tenha sido a primeira opção, pois o vídeo passava direto em nossas opções de programa pré-MTV e, sendo o caso, quando o álbum foi lançado por aqui, eu já sabia do que se tratava. Eu ainda sequer imaginava que existiam bandas chamadas Slayer, Metallica, Exciter, Venom e afins. Talvez se as conhecesse primeiro, o Quiet Riot teria passado despercebido por mim. Mas era um tempo mais puro, de paulatino descobrimento de bandas pesadas, e por isso a banda nunca saiu de minha memória afetiva.
Para quem não acompanhou o Quiet Riot em seu período de maior popularidade, que correspondeu à época de lançamento de seus dois primeiros álbuns, o grupo é mais lembrado por ter revelado a figura do guitarrista Randy Rhoads. Convenhamos que essa é, de fato, uma sombra enorme lançada sobre a carreira de quem quer que seja, mas sua época com o guitarrista Carlos Cavazo tem méritos próprios e também merece o devido reconhecimento pelo que fez. Se há uma crítica que eu possa registrar, seria pela idéia da banda em incluir um segundo cover do Slade nesse álbum. O cover de Cum On Feel The Noize no primeiro disco foi um dos pontos que alavancou as vendagens do trabalho. É claro que a banda teria liberdade pra inserir, caso quisesse, o cover que entendesse melhor no seu segundo disco, mas um segundo cover da mesma banda do primeiro disco? E na mesma posição da sequência das faixas? Aí, infelizmente, soa como oportunismo descarado...

Mas o disco tem méritos próprios, que vão muito além das estratégias mercadológicas. A capa, muito bem desenhada, traz em seu interior músicas bem carismáticas, que refletem bem o talento de todos os envolvidos, como o são caras como Frankie Banali e Kevin DuBrow, além, naturalmente, do baixista Rudy Sarzo, que já trazia o background de trabalhos relevantes anteriores. Faixas como Sign of the Times, Party All Night, Stomp Your Hands Clap Your Feet, We Were Born to Rock e a balada Winners Take All são o reflexo de um tempo que hoje parece estar muito mais distante no tempo do que realmente é. Não faltam tentativas de reproduzir aquela pegada, aqueles timbres, e tudo o mais que remete a época do apogeu do hard rock americano. Sinceramente, nem deveriam tentar. O Quiet Riot teve o seu momento porque eram aqueles caras, naquele período. Quem viveu, viveu. Quem não viveu, pode desfrutar desse longo e maravilhoso acervo que nos foi legado.

sábado, 5 de março de 2016



THERAPY - TROUBLEGUM

É impressionante como eu gosto desse disco. Não me canso de escutá-lo! Poderia separar um dia, em todas as semanas, para tocá-lo no som do carro e não deixaria nunca de berrar os refrões ou bater a mão na perna, marcando o tempo das músicas, enquanto dirijo. O Therapy é, sem sombra de dúvida, uma banda extremamente desconhecida entre os brasileiros e, já que esse disco, o seu ápice criativo e comercial, é de 1994, pode-se afirmar que o tempo de tornarem-se mais populares por aqui já escoou em definitivo, apesar de ainda estarem em atividade, gravando e fazendo shows.
Embora isso não seja uma atitude exclusiva nova. O grupo irlandês alcançou uma pequena notoriedade, mas não é nada que tenha mudado os rumos da música, o que também não faz com que esse disco seja menos divertido. Não dá pra rotular com exatidão o estilo que o Therapy pratica. Tem um pouco de metal, misturado com doses de punk e rock alternativo, além de algum tempero mais voltado para o pop, como os refrões deixam bem claro.
Troublegum tem uma merecida posição de destaque dentro de sua discografia, que já comporta catorze álbuns. Trata-se daqueles discos que, de tão bons, acabam soando como se fossem uma coletânea. Cada música tem um gancho empolgante, um refrão que lhe puxa pra junto dele. Entre as demais canções do disco, tem uma cover de Isolation, do Joy Division, que, perdoem-me os fãs, comprova uma teoria minha de que qualquer música do Joy Division acaba ficando melhor na versão dos outros do que na de seus próprios autores.
Mas o que importa mesmo, e chama a atenção, é a qualidade das faixas autorais. A produção do disco, que já merece elogios pela forma como conseguiu deixar todos os instrumentos bem altos e límpidos, também acrescenta um ritmo dinâmico na forma como elas vão surgindo no disco, estando o final de algumas praticamente ligado com o início de outras, sem pausa de execução. É dessa forma que, logo após a abertura com Knives, surgem as excelentes Screamager e Hellbelly. Esse álbum tem muitos destaques, mas eu tenho que chamar atenção especial também para as faixas Stop If You´re Killing Me, Nowhere, Die Laughing, Trigger Inside e Brainsaw, todas perfeitas para serem executadas em uma apresentação ao vivo, e, as outras músicas, como Lunacy Booth, Unbeliever, Turn e Femtex, fazem a necessária mudança de climas, em andamento mais pausado, para que o disco possa soar variado. 

Troublegum, do Therapy, é um dos meus discos preferidos, mas é claro que, historicamente, não é um disco definitivo. Não dividiu águas, criou subgeneros ou coisas do tipo, mas é eficiente para mim. Me empolga e isso é suficiente. O que mais eu poderia esperar de um álbum? O legal de Troublegum é que é aquele tipo de disco que você pode indicar para diversas pessoas, e todas elas irão ficar com o pé atrás na hora de fazer a audição. Alguns ainda ficarão indiferentes, mas uma boa parte vai se surpreender e curtir. Eu sei. Foi assim que aconteceu comigo.

sábado, 27 de fevereiro de 2016



ICED EARTH – SOMETHING WICKED THIS WAY COMES

Os principais grupos musicais da história fizeram os seus nomes pela excelência do trabalho desenvolvido, mas não só por isso. Tal qual organismos vivos, que se perpetuam através da disseminação de seu DNA, bandas como Beatles, Led Zeppelin, Metallica, Helloween, Ramones, Black Sabbath ou Iron Maiden também geraram crias para povoar o planeta.
Isso me ocorreu pelo fato de que eu sempre associo o Iced Earth com a sua provável maior influência que foi o já citado Iron Maiden. Não se deve desprezar o fato de que as crias, para sairem das sombras de seus ancestrais, devem criar os seus próprios caminhos. Ninguém consegue, ou pelo menos não deveria, ir muito longe sem colocar seus temperos pessoais na mistura. O Iced Earth tem a sua influência exposta bem claramente, mas soube mesclá-la com uma parcimoniosa dose de thrash metal e uma generosa dose de personalidade própria, conseguindo, daí, o destaque pela sua distinção.
Apesar disso, não posso deixar de pensar no Iced Earth sem ter em foco a falta de gerenciamento interno que desviou o grupo da trajetória ascendente que lhe sorria. Nos anos noventa, o Iced Earth ocupou o vácuo gerado pelas grandes bandas de metal que estavam sem direção precisa e cresceu bastante. Cresceu a ponto de me fazer acreditar que poderia alcançar um lugar entre as bandas do primeiro escalão ou algo próximo disso, mas não foi o que aconteceu.
Não obstante a saída do carismático vocalista Matt Barlow, o que por si só já seria um golpe difícil de reverter, mesmo considerando a excelência de quem o substituiu, o fato é que – e isso é uma interpretação minha – o Iced Earth nunca foi, e até hoje ainda não é, de fato uma banda, na acepção mais restrita da palavra.  Sinceramente, alguém é capaz de listar quem são os membros atuais, fora o guitarrista e líder Jon Schaffer e o sujeito que estiver na posição de vocalista da vez. Ou, pior ainda, alguém pode mencionar se o Iced Earth alguma vez já possuiu aquilo que a gente chama de formação clássica??? Sim, eu sei que caras como Richard Christy e Steve DiGiorgio já fizeram lá suas contribuições, mas foi apenas isso: contribuições. Enquanto Matt Barlow estava na posição dianteira do palco, sua presença tinha força suficiente para levar o grupo adiante, mas sua saída foi o evento que fez com que o Iced Earth começasse a declinar. Somando-se isso à já citada falta de identidade de grupo, o que sobrou foi uma formação que pode ser melhor definida como o projeto solo de Jon Schaffer.
Porém, o foco aqui deve ser a época de ouro da banda, que além desse álbum deixou outras excelências para a posteridade, tais quais os discos The Dark Saga e Burnt Offerings. Em Something Wicked This Way Comes, a presença do Iron Maiden já se percebe a partir da capa bem chamativa e, entre as faixas, me parece estar mais escancarada na instrumental 1776. O disco abre com Burning Times, uma música de muita força, que lhe cativa de imediato, e que encontra paralelo nas faixas Stand Alone, My Own Savior, Prophecy, Birth of the Wicked e The Coming Curse. Pelo lado das composições de peso, com direcionamento mais emotivo, algo que eles fazem muito bem, tem as faixas Melancholy, Consequences e, aquela que é uma das minhas preferidas, bem como a primeira canção que me vem à cabeça quando eu penso em Iced Earth: Watching Over Me. É uma música simples, mas bem composta e com um refrão cativante. Um merecido clássico da carreira deles e que vale a pena ser conhecida por quem estiver lendo e ainda não a escutou.

Aliás, vale a pena fazer essa experiência com todo o disco, em uma primeira etapa, e depois prosseguir conhecendo os demais. Se a banda cravou o seu nome dentro desse cenário tão disputado, é porque fez por onde merecer. Se você é dos que acham que os anos noventa foram uma década perdida, faça uma revisão sobre aquele período e veja se, talvez, os seus conceitos não precisem ser reformulados. 

sábado, 20 de fevereiro de 2016



BLACK SABBATH - BORN AGAIN

Mob Rules, a segunda colaboração de Ronnie James Dio com o Black Sabbath, é um clássico, sem nenhuma dúvida, mas fica um pouco aquém de seu antecessor, Heaven and Hell. Os dois são maravilhosos, todo mundo sabe, mas Heaven and Hell vence por alguns pontos a mais. Eu creio que, se Ian Gillan tivesse gravado mais um disco com o Sabbath, muito provavelmente também não superaria ou igualaria o que foi realizado em Born Again. E se quiçá isso tivesse acontecido, não me é possível conceber o resultado, pois aqui se trata de um álbum PERFEITO em letras garrafais! Em seu 11o. disco de estúdio, a banda, pela segunda vez, se reinventou de uma forma surpreendente, trazendo a voz de Ian Gillan, um dos cinco melhores cantores de rock pesado de todos os tempos, ainda no auge de sua forma.
Curiosamente, o próprio grupo não considera esse disco como a pérola definitiva que é e, no exterior, imprensa e público em sua maioria seguem esse pensamento. Parece ser algum desgosto em relação à produção que, de fato, poderia ser melhor, mas a força do material é tão pungente que supera esse tipo de desabor. No Brasil, o disco tem o peso de obra-prima que realmente merece. Born Again é tão denso, tão soturno e carregado de malignitude que atropela de forma definitiva as vãs tentativas de trocentas bandas de black metal espalhadas por aí, tentando ser sombrias.
Na minha preferência, a formação definitiva do Deep Purple é a que traz Ian Gillan à frente. Eu não consigo desassociar sua voz daquela banda e, por isso, percebo algumas alguns traços de purplezices em suas linhas vocais nesse disco, mas são momentos discretos e passageiros. O que Gillan fez aqui foi desafiador. Seus gritos em Disturbing the Priest ajudaram a deixar a faixa mais claustrofóbica e insana do que poderia ter sido imaginada por Iommi, quando compôs o seu riff. O trio de instrumentistas da formação clássica do Sabbath, acompanhada por um vocalista que já possuía o status de lenda fez com que essa encarnação do grupo apresentasse distinções de sonoridade, com elementos que não foram vistos nas outras formações, mas com a linha principal, a identidade, mantida.
Após a abertura com a clássica Trashed, cujo andamento pode ser comparado ao de uma Paranoid mais agressiva, temos, entre vinhetas carregadas de efeito, a já citada Distubing the Priest e, então, a música mais emblemática do disco, Zero the Hero, sustentada na performance de Geezer, executando um riff cíclico, hipnótico, carregando a música nas costas. Na faceta mais tranquila, Keep it Warm, que encerra o disco sem chamar muita atenção, e a belíssima balada gótica, Born Again; no lado mais pesado, dois momentos marcantes em Digital Bitch e Hot Line.

A aura do Deep Purple que cerca Ian Gillan foi o principal fator de dissolução dessa formação, pressionada por críticas dos fãs de ambos os lados, fazendo com que os músicos dessem declarações de que a reunião foi um erro, mas não houve erro nenhum. Born Again, o disco, é um dos melhores discos já produzidos em toda a história do heavy metal. Toda! Pena que não se cometem mais erros dessa natureza.