sábado, 30 de janeiro de 2016



SOUNDGARDEN – BADMOTORFINGER

Não sei, e nem me importo em saber, se o Soundgarden, ou qualquer banda que seja, está inserto em determinada corrente ou subestilo musical. Já estou muito velho pra me autoimpor esse tipo de pré-restrição e, portanto, desde algum tempo me convenci que existem apenas dois gêneros de música: a que eu considero boa e a que eu não considero boa. Independente de estilo. Seja punk, progressivo, southern, hardcore, o que seja: vai ter artistas que me agradam e outros que não. Não tem isso de estilo bom ou ruim. O que existe são artistas com ou sem carisma ou domínio da linguagem que querem exprimir e, do outro lado, a nossa sensibilidade própria para absorver, ou não, o que eles tem a oferecer.
De qualquer forma, eu sequer consigo associar a sonoridade do Soundgarden com o nicho no qual ele é constantemente classificado. É uma boa banda de rock e ponto. Isso é suficiente para mim, mas cada um segue o que lhe agrada mais. Dito isto, este é um disco que me pegou em cheio logo na primeira audição. Não é, nem de longe, um disco de metal, mas tem a medida de peso suficiente para me chamar a atenção e, dentro da discografia da banda, não encontra similaridade na comparação com os demais trabalhos. Talvez a produção do renomado Terry Date, que já trabalhou com bandas do naipe de Overkill, Pantera, Metal Church, Machine Head e Prong, tenha algo a ver com isso. A banda exibiu a sua assinatura personalíssima, mas o produtor ajudou a carregar nas tintas.
O álbum, lançado no ano de 1991, tornou-se um dos símbolos do começo daquela década, junto a alguns outros discos emblemáticos como No More Tears de Ozzy Osbourne, Gothic do Paradise Lost, Black Album do Metallica e Sailing the Seas of Cheese do Primus. A qualidade das composições faz de Badmotorfinger um disco bem mais dinâmico e variado do que seu subsequente, o bem sucedido, em termos de vendas, Superunknown. Esse último trabalho prezava por mais melodias nas canções. Badmotorfinger, por outro lado, tem bastante melodia, mas tem uma pegada mais distorcida, com uma dose um pouco maior de comedida agressividade, seja musical ou seja lírica. A primeira música, Rusty Cage já demonstra isso logo aos primeiros segundos. Uma excelente faixa que começa rápida, termina cadenciada e é marcada por uma linha de baixo acentuada em seu trecho intermediário.
Outshined foi a música de maior sucesso entre as demais e tem muitos elementos de stoner setentista, presentes desde a densidade absurda contida em seu riff inicial, mas também são caracteristicamente stoner as faixas Slaves and Bulldozers, Holy Water e Room A Thousand Years Wide. A melhor de todas, porém, é, disparadamente, Jesus Christ Pose. É a maispesada e dinâmica de todo o disco e, quiçá, de toda a carreira do Soundgarden. Chris Cornell é um vocalista extremamente privilegiado e faz uso pleno de todo o seu alcance nessa canção, principalmente quando tem que se posicionar frente aos gritos da guitarra no refrão. Chris se destaca, mas não chega a se distanciar tanto assim da performance de toda a banda. No Soundgarden não tem nenhum músico que ofusque os demais. Há um equilíbrio e é isso que os torna grandes como banda.

É lamentável que a imprensa tenha hipervalorizado tanto a cena em que bandas como o Soundgarden surgiram. Isso teve lados positivos e negativos, pois pretendeu-se dar ares de gigantismo a algo que não nasceu para esse fim. Pelo mundo afora está cheio de bandas que fazem discos sensacionais sem precisar arrombar as barreiras do mainstream. O Soundgarden talvez seja uma que habitaria tranquilamente essa zona intermediária e isso não os diminui em nenhuma medida. Muito pelo contrário.

sábado, 23 de janeiro de 2016



ARTILLERY - FEAR OF TOMORROW

Na década de 80, quando cada nova banda que surgia era completamente diferente da outra – em oposição à clonagem em série que existe hoje – a Dinamarca apresentou ao mundo três maravilhas que se destacavam pelo seu som original: Mercyful Fate, Pretty Maids e Artillery. Em divergência da miríade de bandas que brotavam nos outros países do bloco escandinavo, a Dinamarca teve uma produção razoavelmente tímida, não chegando a gerar uma prole tão extensa quanto a Noruega ou a Suécia.
É claro que, para afirmar isso, eu estou relevando a provável infinidade de pequenas bandas que não obtiveram maior destaque e que devem ser conhecidas apenas no ambiente doméstico daquela região. Entre as que conseguiram alcançar alguma relevância, houve também as lendárias Evil e Maltese Falcon e, em tempos mais recentes, grupos como LeFay, Iron Fire e Royal Hunt. Não deixa, porém, de ser uma cena diminuta, apesar de extremamente relevante e influente.
Os três grandes nomes mencionados lá no começo apontaram, cada um, para um modo diverso de fazer heavy metal. O Artillery enveredou para o thrash metal e fez isso com muita personalidade. Seu álbum de estréia me surpreende até hoje: é rápido, pesado, criativo e muito agressivo, ou seja, perfeito! Logo de cara chama a atenção o vocal de Flemming Ronsdorf, de características únicas. Por diversas ocasiões, escutei amigos dizendo que o Artillery soava melhor com o vocalista Carsten Lohmann, que gravou sua primeira demo tape, mas infelizmente eu não pactuo com essa corrente. Carsten era um vocalista bom, mas soava melódico em demasia para o que o Artillery precisava.
E o que o Artillery precisava era do rosnado original de Flemming Ronsdorff. Sua voz casa bem melhor com a proposta da banda e contribui para deixá-la mais original e violenta. A sua ausência é demasiado percebida nos lançamentos mais recentes do Artillery. Os vocalistas que o substituíram são talentosos e carismáticos, mas são mais do mesmo no meio do cenário, enquanto Flemming se diferenciava de imediato. Evidente que a banda não se sustenta apenas na figura de Flemming. O trabalho instrumental está à altura, compondo uma unidade sonora violentíssima, ao mesmo tempo em que é carregada de um clima sinistro e maléfico. A banda fez, de seu álbum de estréia, uma peça clássica do estilo. A sequência inicial com Time Has Come, The Almighty, Show Your Hate, King Thy Name Is Slayer e Out Of The Sky é absolutamente impecável! Não dá pra pular um segundo de música. Não dá para sequer desviar a atenção. Essa primeira metade do album é tão impactante que ameaça ofuscar as canções restantes Into the Universe, The Eternal War, Deeds of Darkness e, a melhor entre elas, Fear Of Tomorrow, mas a obra, como um todo, é essencial e não perdeu, mesmo após trinta anos de seu lançamento, o frescor contido. Ainda soa atual, sem aqueles ranços cronológicos que fazem com que alguns discos pareçam ficar presos à sua época de lançamento.
Em seu trabalho seguinte, o Artillery conseguiu soar ainda mais thrash, e no terceiro álbum buscaram uma variedade maior nas composições, mas Fear of Tomorrow sempre terá um lugar especial para mim. Talvez seja pelo fato da banda soar como se fosse um cruzamento de Anvil e Slayer. O que poderia ser melhor? Anvil + Slayer + personalidade própria = Artillery!


sábado, 16 de janeiro de 2016



VIRGIN STEELE – NOBLE SAVAGE

Confesso que não sei avaliar muito bem o status do Virgin Steele no Brasil. Parece-me ser uma banda querida pelo público, detentora de forte prestígio, mas tudo isso restrito a um nicho de fãs. Apenas aquela parcela de fãs, mais interessada em conhecer a miríade de artistas que permeiam as variedades nas listas de lançamento, busca maiores informações sobre o grupo.
Não descarto a imensa possibilidade de equívoco que essa interpretação traz, mas ela baseia-se, como não poderia deixar de ser, apenas no que eu posso observar das pessoas mais próximas a mim. Como eu, e meus amigos mais constantes, somos todos da velha guarda, um fenômeno peculiar pode ser facilmente observado em nossas preferências: bandas que tiveram seus discos lançados em vinil no Brasil, mesmo que sejam historicamente mais obscuras do que bandas como o Virgin Steele, acabam por ser mais significativas. Leatherwolf e Savage Grace estão aí pra demonstrar isso. Fomos, naturalmente, doutrinados por aquilo a que tínhamos acesso.
Um disco como Noble Savage, no entanto, merece ser conhecido. Não vai mudar a vida de ninguém a essa altura, mas é um disco bom e demonstra bem o que era o Virgin Steele em sua fase mais, digamos, pura. Trata-se de um metal épico na linha do que era feito no começo dos anos 80, sem aqueles exageros que depois viriam a contaminar o estilo e o próprio Virgin Steele. De certa forma, a trajetória do grupo encontra, parcialmente, paralelos com a trajetória da banda com a qual o seu som tem mais similaridades, que é o Manowar. Se, por um lado, quando viesse a lançar no futuro o álbum Invictus, a semelhança chegasse a incomodar, nessa fase da carreira havia uma espontaneidade que rimava com algumas coisas que o Manowar fez em Battle  Hymns. Uma mescla de canções puramente metálicas com outras tendentes para o hard rock.
Ambas facetas estão bem caracterizadas ao longo do disco, mas quando eles investem no hard rock, o fazem sem qualquer pudor ou restrição. Vão bem fundo nessa pegada, que podemos observar escancaradamente em faixas como The Evil in Her Eyes e Rock Me. Também vale incluir aqui a balada Don´t Close Your Eyes que é muito, mas muito boa mesmo, bem distante da chatice que várias outras músicas assim costumam soar. Don´t Close Your Eyes é facilmente um dos destaques do álbum e soa como algo que poderia ter sido feita pelo Twisted Sister.
No lado metal, a banda está sintonizada com o que faziam suas conterrâneas Armored Saint, Omen e Manilla Road naquele mesmo ano de 1985. Com exceção da rapidez da ótima faixa Fight Tooth and Nail, as demais tem o andamento típico de canções fortes e marcantes como a marcante abertura We Rule the Night, a clássica Noble Savage, e a mais épica de todas, The Angel of Light.

David DeFeis tem sido o rosto e alma da banda, tão vinculada a sua personalidade quanto seria se se tratasse de um projeto solo. Escudado pelo guitarrista Edward Pursino, que tem sido o único outro membro constante na formação desde essa época, o vocalista segue liderando o Virgin Steele, acertando e errando, mantendo uma linha de composição, mas sem se tornar escravo de sua própria música, permitindo-se criar variações em torno da mesma. Merece o status de banda cult e é isso que a torna grande.

sábado, 9 de janeiro de 2016



 IRON MAIDEN - POWERSLAVE

Esse foi o primeiro álbum do Iron Maiden que eu adquiri simultaneamente ao seu lançamento nas lojas. Na época eu ainda estava absorvendo o que era heavy metal. Ia conhecendo um disco ou outro, me habituando aos poucos com aquele tipo de linguagem. Não foi um processo simples, pois eu posso dizer que rock, no geral, era um universo completamente novo para mim.
O que eu conhecia a esse respeito? Sei lá, talvez uma música ou outra de algum artista estrangeiro, perdida no meio da programação do rádio, ou alguma coisa de pop rock brasileiro, mas nada que alterasse meus batimentos cardíacos.
Escutar heavy metal, por outro lado, foi uma experiência absolutamente avassaladora na minha trajetória. Era algo absurdamente novo, eu não sabia que poderia existir música feita daquela maneira. Foi como ter contato com algo feito em outro planeta ou outra dimensão.
Powerslave evocou esse sentimento em mim e, de certa forma, evoca até hoje, pois soava diferente de tudo o que eu já tinha ouvido, mesmo de heavy metal, até então. Isso de certa forma demonstra o quanto o disco é especial e que o tempo não diluiu em absoluto a sua força. Nós ficamos fazendo rankings e listas, classificando o álbum como um dos melhores, ou talvez o melhor, já feito, mas tais classificações acabam sendo geradas no piloto automático, pois discos como Powerslave estão acima do bem e do mal, de uma forma que a comparação feita com discos de outras bandas, ou do próprio Iron Maiden é estranha e desnecessária. Powerslave foi um momento único na música, sem parâmetros de comparação anteriores ou posteriores, seja da banda tal ou da banda que o criou, que, diga-se, não tornou a replicar o que foi feito aqui.
Isso, esclareço, não é uma crítica. É apenas uma constatação feita sob a minha ótica, pois creio que jamais passou pela cabeça dos músicos do Maiden a possibilidade de tentativa de fazer um Powerslave Parte 2. E nem seria preciso, pois cada disco do grupo tem seu próprio brilho, mas o quinto álbum foi a sua obra-prima. Powerslave foi uma peça lapidada à perfeição em todas suas etapas: composições, capa, produção. Não falta nada e nem sobra também. O disco tem músicas longas, mas que soam absolutamente enxutas, sem nenhuma nota desnecessária.
No Piece of Mind, o Maiden, que sempre gostou de caprichar nos trechos instrumentais de suas músicas, já começava a dar uma esticada neles (Where Eagles Dare, por exemplo). Em Powerslave, eles alcançaram o ápice nesse tipo de arranjos, vide os mais de vinte minutos da dobradinha final com a faixa título e Rime of the Ancient Mariner. Ambas viraram clássicos instantâneos tal qual a dobradinha de abertura composta de Aces High e Two Minutes to Midnight. Mas se o disco é tão soberbo em suas extremidades, o que está no miolo não deixa a desejar. Que fã não sofreria uma mudança súbita de pressão se presenciasse hoje a banda executando no palco canções como Back in the Village, The Duellists, Flash of the Blade ou até mesmo a instrumental Losfer Words? Historicamente elas foram deixadas de lado nos setlists ou nas antologias, mas são de excelência plenamente equivalente àquelas anteriores, mais lembradas por todos.
Ainda sobre os arranjos, é fenomenal a forma como o Maiden construía suas músicas, fazendo com que canções de melodia razoavelmente simples, e consequentemente cativantes, tal qual Aces High, soassem tão densas, tão ricas. Na faixa mencionada como exemplo, parece haver quatro guitarras tocando, tal sua robustez e detalhamento. A atenção especial que o Maiden sempre deu aos solos também contribui para essa sensação, deixando cada música com o vigor de um ser vivo, com cabeça, tronco, membros, sistema circulatório, tal qual uma criatura tridimensional.
O carisma que a banda possui tornaria a levá-la, mais cedo ou mais tarde, ao patamar em que se encontra, mas não havia forma dos brasileiros não serem fisgados em definitivo, pois foram apresentados ao grupo, in loco, no período em que faziam sua maior turnê, divulgando seu maior disco, durante nosso mais mítico festival, e que acabaria por formatar aquele que é um dos mais consagrados live albums já registrados. A partir de Powerslave, na minha opinião, o Maiden estabeleceu seu gigantismo. Os dois discos seguintes, Somewhere in Time e Seventh Son of a Seventh Son, que concluem essa etapa da carreira da banda, mantém o gráfico de qualidade em nível retilíneo, perfazendo essa proeza com três trabalhos absolutamente distintos entre si. O período de tempo entre um disco e outro de qualquer banda em início de carreira é dependente do tamanho da turnê de divulgação que realizam, e o tamanho da turnê está condicionado ao desejo manifesto do público em presenciar o grupo. Não foi à toa, então que, após o lançamento de Powerslave, o Maiden pela primeira vez efetivou um hiato de mais de um ano entre seus álbuns de estúdio. Turnê da Escravidão Mundial não era apenas um título. Era uma carta de intenções e uma constatação. E o mundo inteiro se curvou ante a pirâmide.

sábado, 2 de janeiro de 2016



THE CULT – LOVE

As bandas inglesas sempre adoraram flertar com a América. Na maior parte dos casos, com intenções de mercado mesmo, fazendo pequenas saudações em títulos de músicas com o intuito de chamar atenção. No caso do Cult, parece ser diferente. Embora também tenham feito seus acenos, tal qual ocorreu na faixa New York City, do disco Sonic Temple, há um fator de paixão genuína pela cultura americana, expresso em sua musicalidade. Essa paixão, porém, está mais direcionada para uma outra América, deixando a vida urbana em escanteio e adentrando em territórios indígenas.
Todos os discos da banda tem referências nesse sentido, tanto gráficas, em ilustrações das capas, quanto nas letras. Não se trata de conceito de um disco só. Tanto a temática, quanto a pegada mais roqueira, ajudaram a afastar o Cult da imensa leva de bandas do movimento pós-punk inglês que surgiram concomitante a sua geração e que estavam mais voltadas para os assuntos políticos ou de síndromes depressivas.
Love é um disco de transição. Se for escutado na ordem da discografia, entre Dreamtime e Electric, percebe-se claramente o percurso que a banda estava fazendo. De onde ela vinha e para onde estava se dirigindo. Os elementos de gótico e de hard rock se encontravam dentro da mesma capa e formataram aquele que ainda é, para mim, o melhor disco do grupo liderado pelo vocalista Ian Atsbury e pelo guitarrista Billy Duffy, sendo que, nessa primeira fase da carreira, até o lançamento do disco Sonic Temple, eles eram acompanhados pela presença permanente do excelente baixista Jamie Stewart, que, depois que deixou a banda, trabalhou com produção e chegou a participar brevemente de um projeto do guitarrista Adrian Smith, quando esse estava fora do Iron Maiden.
Às vésperas de exibir com mais vigor influências de Led Zeppelin e AC/DC, no consagrado álbum Electric, o Cult registrou, em Love, um conjunto de canções emocionantes e climáticas, das quais eu sou forçado a destacar as faixas Revolution e Rain, que considero ser os dois maiores momentos de toda a obra da banda. Músicas de uma simplicidade espartana, mas que fazem você parar para prestar atenção, contagiado pela emoção transmitida tanto pela interpretação quanto pela melodia. Com poucos graus de diferença, vem as canções seguintes, de qualidade homogênea, como Nirvana, Brother Wolf Sister Moon, Love, Black Angel e She Sells Sanctuary, sendo que esta última poderia muito bem ser tida como a primeira música do Electric, já que é a que está mais sintonizada com o clima do disco seguinte.

Todo o álbum foi composto em dupla por Duffy e Atsbury e tanto a parceria quanto a fórmula se mantém intacta até hoje. Tal qual tantas carreiras musicais, o Cult agigantou-se e depois encolheu, mas nunca deixou de ser relevante e nem de fazer a melhor música dentro de seu universo. Mesmo quando inseriu alguns elementos eletrônicos em seu som, nos meados dos anos noventa, o fez sem se descaracterizar. Dreamtime não teve tanto impacto, mas, a partir de Love, o Cult vivenciou uma merecida história de sucesso. Não poderia ser diferente, afinal é uma história de amor.