Até 1986, o metal
vinha numa escalada de brutalidade, com cada lançamento sendo mais extremo do
que o outro. Depois de 1986, evidentemente, essa escalada não parou, mas passou
um período de stand-by, de estarrecimento do tipo “o-que-fazer-agora?”.
A causa foi o disco
Reign in Blood. O Slayer já era cultuado pelo que tinha feito até então, mas Reign in Blood revirou as
regras do jogo e, quando me refiro ao estarrecimento provocado, não falo só de
outras bandas, mas também do público. Demorou um tempo para que aquela nova
proposta do grupo fosse devidamente absorvida. Enquanto bandas como Megadeth e
Metallica estavam evoluindo no caminho de se tornarem mais técnicas, o Slayer
evoluiu para a bestialidade.
Rob Halford disse que
escutar o Slayer é como ouvir música em chamas. É uma definição perfeita, porém
incompleta. A música do Slayer tem efeito multisinestésico. Escutar Angel of
Death, precipuamente o ataque do refrão, transmite sensações não só de
combustão, mas também de tremores sísmicos e impactos físicos.
Reign in Blood
demonstrou que concessões não são o caminho para o sucesso. O Slayer se tornava
mais popular a cada vez que extremava seu som. E para agregar peso a banda não
precisava recorrer a recursos como afinações mais baixas, por exemplo. Bastava
a velocidade absurda, com letras que apenas Tom Araya poderia cuspir de forma
tão ríspida, marjeadas pelos solos peculiares de Hanneman/King - a versão
infernal de Downing/Tipton - e as batidas do melhor baterista revelado pelo
thrash, Dave Lombardo.
A introdução de Angel
of Death, com as palhetadas preparando o terreno para a entrada do grito de Tom
Araya simultâneo com o ataque da bateria é um daqueles momentos que desafiam a
contenção. Por mais que se aumente o volume do som, ao escutar essa música, o
máximo nunca é suficiente.
Outra constatação
desse álbum é a de que criatividade não significa encher o disco com looongos
minutos de música. Isso é uma idéia equivocada que veio com a popularização do
cd. Quando os discos poderiam ter no máximo uns 40 minutos de duração, você
tinha mais ânimo para ouvi-los repetidas vezes. No momento que os cd´s passaram
a oferecer a disponibilidade para setenta e tantos minutos de capacidade, não
faltou artista que, sob a falsa premissa de oferecer mais em troca do dinheiro
dos fãs, entupiram seus trabalhos com qualquer resto de inspiração que
tivessem. Discos que, se mais enxutos, poderiam ter se tornado novos clássicos,
entraram para a história como aborrecimentos paquidérmicos. Reign in Blood
nasceu com menos de trinta minutos e cada segundo é literalmente matador. Sem
qualquer exagero, a música contida aqui não agride apenas pelo peso,
velocidade, ou pelo vocal gritado, mas também pela aura maligna. A maioria das
bandas thrash, tão agressivas quanto, transparecem apenas violência em suas músicas, mas o Slayer vai
além e exala tanto a violência quanto a obscuridade. Sem deixar de mencionar
músicas que se eternizaram nas apresentações, tal qual Angel of Death e Raining
Blood, e de outras essenciais como Altar of Sacrifice, eu tenho que destacar
duas faixas pouco lembradas, que juntas somam apenas 4 minutos e meio, com
andamentos e métricas bem distintos dentro da discografia da banda: Reborn e
Epidemic.
Cada um dos três
primeiros discos do Slayer é bem diferente do outro, mas cada um preserva o
caráter da banda e, inevitavelmente, estabeleceu novos direcionamentos para o
metal como um todo. Reign in Blood foi o seu ápice e, depois disso, não havia
mais para onde ir. South of Heaven e Seasons in the Abyss são excelentes, mas
não inovaram. Trouxeram novos clássicos, mas navegaram dentro da musicalidade
criada até então e, por conta do resultado de Reign in Blood, todo novo
trabalho passou a tê-lo como parâmetro. Se por um lado isso deve incomodar os
artistas, por outro é um privilégio. É melhor ter um grande trunfo na
discografia do que ter uma produção marcada apenas pela medianidade. E ser
mediano, definitivamente, não é para aqueles quem reinam no sangue.
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