sábado, 30 de maio de 2015



CREEDENCE CLEARWATER REVIVAL – WILLY AND THE POOR BOYS

John Forgety é mais um na lista de artistas abençoados pelas musas da inspiração. Excelente cantor, excelente guitarrista e compositor mais do que extraordinário, John era, sem dúvida nenhuma, a força propulsora do Creedence Clearwater Revival. Sem querer entrar nos méritos da existência da banda cover de luxo, que atua nos tempos presentes e cujo nome trocou o Revival pelo Revisited, não dá pra imaginar o Creedence sem John e, ironicamente, a história mostrou que a recíproca também era verdadeira. A carreira solo de John passou, naturalmente, muito longe de ser um fracasso, mas nunca teve o mesmo brilho da época do quarteto californiano que marcou a transição entre as décadas de 60 e 70.
Analisar a trajetória do Creedence, sob a perspectiva atual, passa uma enorme sensação de surrealidade. Em nossos dias, artistas demoram, às vezes, até oito anos pra lançar um disco novo no mercado. O Creedence, em cinco anos de existência, lançou sete discos, e todos excelentes! Apenas no ano de 1969 foram três álbuns, sendo esse Willy and the Poor Boys o último da trinca.
Sob certos aspectos, o grupo era uma espécie de peixe fora d´água em seu estado natal, a Califórnia. Não era comum ver californianos investindo em country music, gênero que tinha mais força em outras regiões do país. O rock´n´roll, originalmente, é cria tanto do blues quanto da country music, e fazer a mistura entre estas partes acaba por gerar um resultado bastante natural, fluido na audição. Chuck Berry e Hank Williams se encontram, portanto, ao longo das canções do quarteto. Down on the Corner já lhe diz tudo o que você precisa saber sobre o Creedence. É aquilo, a banda é assim e não há para onde evoluir, pois essa atitude seria tão desnecessária quanto malvinda. É música de bar, música de estrada, música para marcar com o pé. O Creedence fazia música pela música, sem querer soar grandioso ou experimental. Pelo contrário, soavam como uma pequena banda, de pretensões simples, e ao seguirem essa direção, tornavam-se grandes.

Tirando a instrumental Poorboy Shuffle, cujo título e arranjo poderiam até sugerir que foi tocada durante a sessão de fotos da capa do disco, o restante são canções que navegam entre os gêneros que já foram mencionados, fazendo com que o Creedence soe como uma banda americana até o âmago, e, ao dizer isso, tenho que ressaltar que essa postura passa longe do ufanismo estúpido que alguns artistas podem carregar. Tanto assim, que uma das cançõers de protesto mais famosas dos anos sessenta está aqui: Fortunate Son, que narrava como os filhos de alguns políticos da época tinham o privilégio de não serem convocados para lutar no Vietnã. Cotton Fields e Midnight Special são as únicas faixas que não sairam das mãos de John Forgety. O restante tem a sua assinatura exclusiva, como foi durante a maior parte da carreira da banda. É por isso que não dá pra comprar a idéia de um Creedence sem a sua presença. Tudo bem, é válido e legítimo que os outros músicos desejem manter uma carreira, mas algumas coisas são tão puras que são maculadas não por algo que se acrescente, mas pelo que se retira delas.

sábado, 23 de maio de 2015



SANTANA – ABRAXAS

O Texas é o estado americano cuja cultura mais se aproxima do país vizinho, o México. Musicalmente, porém, de todos os elementos que as bandas daquele estado absorveram, falta um que nunca foi devidamente incorporado: a latinidade. Aquele quê a mais que caracteriza a música da região e lhe dá o seu maior acento étnico. Coube, portanto, a um guitarrista naturalmente mexicano, mas erradicado na América do Norte, fazer a fusão com a devida naturalidade: Carlos Santana.
O músico, que deu o próprio sobrenome à banda que criou, não poderia ter escolhido melhor lugar para montar sua base de operações do que o sempre onírico estado da Califórnia, mais precisamente na cidade de San Francisco. Em agosto de 1969, aos 22 anos de idade, ele já estabeleceu dois marcos em sua carreira: lançou o primeiro disco de sua banda e realizou uma avassaladora apresentação no festival de Woodstock, que ocorreu na costa leste do país, no outro lado do continente. Um ano após, era lançado Abraxas, seu segundo disco, sequência natural e lógica do que já tinha sido realizado artisticamente na estréia.
Liderando um grupo que, além dos básicos guitarra, baixo, bateria e teclado, ainda continha dois percursionistas, Santana pôde deixar fluir a mistura de rock, jazz, salsa e misticismo que lhe tornou famoso, sendo que, liderar, no presente caso, não significa monopolizar. Esse não é o disco de um guitarrista com uma banda de apoio. É o disco de uma banda, onde todos interagem para o melhor resultado musical e, para constatar isso, basta observar que, das nove faixas do disco, apenas duas tem a assinatura de Carlos Santana. Mike Carabello, um dos percursionistas, responde pela autoria da instrumental que abre o álbum, com levada hipnótica, gerando o clima para a clássica Black Magic Woman, que é, originalmente, um blues composto por Peter Green, do Fleetwood Mac.
Faixas como Oye Como Va, de Tito Puente, Se a Cabo e El Nicoya, de José Areas, o outro percursionista, deixam bem claro o apego às tradições da terra natal e contribuem para reforçar o clima de jam que permeia todo o disco. Mother´s Daughter e Hope You´re Feeling Better, as músicas de Gregg Rolie, o vocalista e tecladista, são boas, mas sem nada de extraordinário. Cumprem bem o seu papel dentro do disco, sem comprometer, mas também sem influirem substancialmente dentro do resultado. Restam apenas as já mencionadas duas músicas de Carlos Santana, ambas instrumentais. Uma é a maravilha jazzistica Incident at Neshabur. A outra merece uma menção à parte
Samba Pa Ti é uma das mais belas músicas já feitas no universo. Uma pérola melódica comparável a qualquer coisa dentre o que já foi feito de melhor quando se fala de música. Começando meio melancólica e evoluindo, no seu decorrer, para um ritmo mais vibrante, a música consegue, sem letras, transmitir uma miríade de emoções como poucos seriam capazes de repetir com a mesma sútil intensidade: esperança, amor, saudade, alegria e tristeza estão espalhadas ao longo de quatro minutos e meio de inspiração.

Abraxas é um disco que demonstra que o padrão para a música deve sempre ser a fuga de padrões. Não é preciso, e nem recomendável, o esforço para enquadrar-se em uma determinada fórmula, em um lugar comum. O que não falta por aí é a existência de artistas que rezam por essa cartilha, e que podem até ser bemsucedidos por um determinado tempo, mas serão sempre mais lembrados por suas influências do que por sua própria obra.

sábado, 16 de maio de 2015



BACAMARTE – DEPOIS DO FIM

As bandas de heavy metal – e seus fãs – carregam com orgulho o mérito de serem uma corrente musical underground. Correto. Outros gêneros, porém, podem, sob determinados aspectos, serem considerados da mesma forma. Bem ou mal, o metal é alimentado por uma cobertura midiática atuante, com revistas especializadas nas bancas de revistas e coisas do tipo. O rock progressivo, pelo menos no Brasil, não me parece ter uma base tão sólida de apoio.
Esse pensamento me ocorre quando eu escuto um disco como esse do Bacamarte. É sério: esse é um disco absolutamente brilhante de rock progressivo, devidamente reverenciado pelos fãs do estilo no exterior, mas, esse sentimento não parece ser o mesmo em nosso desmemoriado país. Pelo que percebo, o disco não é tão lembrado e ovacionado quanto deveria ser. Quem já o viu ser mencionado em alguma lista de melhores discos já feitos no Brasil, de rock ou de música em termos gerais? E eu tenho convicção de que ele deveria estar nelas.
Lançado de forma independente, em 1983, quando a banda, oriunda do Rio de Janeiro, já tinha aproximados dez anos de atividade, o álbum ajudou a revelar, para o cenário musical brasileiro, a cantora paraense Jane Duboc, que tinha, à época, 33 anos de idade. Intercalando faixas cantadas com números instrumentais, o disco aproxima-se bastante do som das bandas italianas do estilo. Há um inevitável clima de Renaissance, por conta dos vocais femininos, pouco comuns naquela época, além de momentos inspirados em Yes, Genesis e Jethro Tull que estão bem distribuidos ao redor de toda a audição. O acréscimo de uma flauta nos arranjos amplifica a influência desses dois últimos e, aliás, esse é um instrumento que casa muito bem com as propostas do rock progressivo. Assim como, da mesma forma, são coesos os momentos em que sonoridades mais abrasileiradas aparecem, como na faixa Mirante das Estrelas. O rock progressivo é um estilo muito amplo, muito receptivo aos mais diversos elementos externos que queiram acrescentar em suas levadas e, por isso, soam tão bem essas inserções.
O equilíbrio do disco, muito maduro para ser um trabalho de estréia, torna difícil apontar um momento específico de seu conteúdo. UFO, a música instrumental de abertura foi muito bem escolhida para introduzir as canções que se seguem. Jane Duboc se destaca em todas as suas aparições, principalmente nas composições Smog Alado e Último Entardecer, e é uma pena que ela não tenha mantido uma carreira paralela entre seus trabalhos solo de MPB e o prosseguimento com o Bacamarte, que poderia ter produzidos outros álbuns.

Tanto o rock progressivo quanto o heavy metal brasileiros cresceram muito desde então. O Bacamarte lançou sua estréia bem depois da primeira fase áurea de seu gênero em nossa terra, mas, considerando seu período de atividade anterior ao disco, ele foi contemporâneo de todas as nossas primeiras grandes bandas: O Terço, Terreno Baldio, Som Nosso de Cada Dia, Bixo da Seda, Recordando o Vale das Maçãs, Os Mutantes e tantas outras que nos orgulham. O Bacamarte ocupa um lugar de honra entre todas elas e, caso você ainda não o conheça, faça a si mesmo o favor de remediar isso.

domingo, 10 de maio de 2015






CELTIC FROST - MORBID TALES


 


A prova de que a falta de uma técnica mais apurada pode ser completamente suprida pela criatividade. Um disco histórico, influente e brutal, de uma banda tão intensa que praticamente forçou a imprensa, estrangeira e nacional, a reverem suas negativas impressões iniciais, sarcásticas e ofensivas, e renderem-se ao carisma maléfico desse grupo, sintonizando-se com o nascente culto que espalhava-se entre os fãs de metal mais apensos a descobrir novos artistas.


E o culto ao Celtic Frost não era gratuito, nem era um fenômeno localizado. Hoje, qualquer pessoa pode gerar uma música e rapidamente espalhá-la pelo mundo, podendo a mesma ter ou não alguma evidência, para o bem ou para o mal. Trinta anos atrás, as coisas eram bem diferentes e não é pelo fato da banda ser originária da Suécia que as coisas seriam radicalmente facilitadas. O heavy metal, em 1984, estava no auge de sua propagação, mas o que o Celtic Frost fazia era a extrapolação do estilo, a guinada, junto com Sodom, Venom e Bathory para o obscurantismo, lírico e musical. Se, mesmo hoje, qualquer suposição de malignidade gera algum desconforto e polêmica, em tempos mais ingênuos a reação era mais acentuada. Algo tão aprofundado no underground só poderia, portanto, crescer através de pequenos fanzines, do boca-a-boca de fãs, da troca de fitas, e na intensa realização de apresentações, em locais tão tenebrosos quanto o seu som, embora não se deva olvidar da popularidade anteriormente obtida através das atividades iniciais sob o nome de Hellhammer.


Tom Warrior, Martin Ain e os bateristas que os acompnhavam, seja no Hellhammer ou no Celtic Frost, criaram uma assinatura musical extremamente bem definida. Formas de vocalização, maneiras de tocar guitarra ou até mesmo variações de andamento que, quando reinterpretadas, são facilmente associadas à sua origem. E, ao contrário de tantos álbuns contemporâneos de música extrema, Morbid Tales não mantinha o pé no acelerador o tempo todo. Sua mescla de partes rápidas e partes arrastadas formou um resultado em que cada uma dessas levadas evidenciava a outra. Após os sons de inumanidade que abrem o disco, como lamentos de caos espectral, temos a velocidade de Into the Crypts of Rays, Morbid Tales e Nocturnal Fear, que fazem contraponto com a densidade mais latente de Procreation of the Wicked, Return to the Eve, Visions of Mortality e Dethroned Emperor, sendo que essa última, juntamente com a faixa título, foram incluídas apenas na versão americana do disco, que é, originalmente, um EP. Porém, entre tantos momentos de destaque, evidencia-se uma faixa que não é necessariamente uma música. Danse Macabre aproxima-se mais de uma experimentação de estúdio, uma colagem de sons, mas quem consegue pular a mesma? O fascínio macabro que esta exerce é do tipo que mantém o ouvinte atento e com a respiração suspensa, tentando compreender o que está acontecendo.


Não deixando de lado o que Martin fez pela banda, a verdade é que Tom Warrior é a força criativa que continua levando o legado do Celtic Frost para o futuro. Tudo o que ele fez é reverenciado e assim merece ser, mas apenas Tom Warrior é capaz de ir além de sua própria obra. O Triptykon existe para comprovar isso. Não é o Celtic Frost em nomenclatura por razões diversas, mas é o Celtic Frost em espírito. É o Celtic Frost da forma como esse soaria se ainda existisse e, por isso, torçamos para que Tom Warrior ainda permaneça muito tempo entre nós, para podermos ver quanto limites ele ainda pode atravessar dentro da escuridão.


E da morbidez.

domingo, 3 de maio de 2015




DEATH - INDIVIDUAL THOUGHT PATTERNS

Algumas bandas, por mais talentosas e representativas que sejam, só são chamadas sob esse nome – bandas – por uma romantização exarcebada do termo. Bandas geralmente tem sua gênese no encontro de três, quatro ou cinco sujeitos que unem suas forças na composição de uma entidade única, que incorpora as individualidade de todos. Nem sempre esse grupo permanece coeso, mas tem casos em que as configurações modificam-se completamente ao longo do tempo, restando por vezes apenas um da composição original, geralmente o mais visionário e/ou determinado e/ou talentoso entre todos. Exemplos não faltam, mas no momento me vem a cabeça grupos como Megadeth, Running Wild e Death, que sofreram transformações ao longo de toda sua trajetória e acabaram por definir-se na pessoa de seus líderes.
Isso, claramente, como demonstram os exemplos acima, nunca diminuiu o trabalho dos artistas. O Death, que é o foco aqui, sempre evoluiu e sempre surprendeu a cada novo álbum, acrescentando, cada vez, mais técnica ao death metal praticado. Em Individual Thought Patterns, Chuck Schuldiner conseguiu reunir um dos mais inconbevíveis dream teams que se possa imaginar. Steve DiGiorgio, Andy LaRocque e Gene Hoglan, tal qual Chuck, são gênios absolutos em suas funções. Não seria de forma alguma possível apontar que um ou outro se destaca em determinada música ou em determinado trecho do disco, porque todos mantem-se em permanente evidência durante cada impecável segundo de música criado por Chuck,  que, não obstante a excelência de seus companheiros, compôs sozinho todas as faixas do disco.
O nível de composição e a técnica, demonstrada pelo Death, nessa fase da carreira, estava, sem qualquer figura de linguagem, bem a frente de seu tempo. Eu vejo, hoje, influências do que o Death fazia surgindo na produção atual de bandas como o Machine Head, que tem recebido bastante atenção pelo que vem executando – e é claro que tem méritos próprios – mas que mostra que bebeu na fonte do que o Death fez quinze anos antes, excluindo, evidentemente, a pegada death metal. Já na primeira música, Overactive Imagination, o álbum se impõe como peça fundamental entre o que de melhor já foi feito na música metálica. A faixa já começa aceleradíssima e, de forma espetacular, consegue aumentar mais a velocidade, antes de dar uma quebrada no andamento para a execução do primeiro solo. A segunda música é a minha composição preferida da banda, In Human Form, que tem um fraseado de guitarras dobradas tão vibrante, e cativante, em sua simplicidade, que é impossível ficar indiferente ao mesmo, tal qual acontece também, com mais melodia, na harmonia dobrada de Nothing is Everything.

O nível do disco é tão alto que eu, em contramão ao consenso geral, não consigo mencionar The Philosopher como uma canção à parte. Essa música ganhou mais destaque pelo fato de ter recebido um vídeo clipe de divuilgação, mas ela é tão grandiosa quanto o restante do disco. A musicalidade do Death, mesmo mantendo a sua personalidade, que refletia a personalidade do próprio Chuck, foi enriquecida pela miríade de músicos que passaram por suas fileiras, que participaram – ou ainda participam – de algumas das melhores bandas de sua época, como King Diamond, Sadus, Testament, Dark Angel, Iced Earth, Cynic, Massacre, Master, Autopsy e Obituary, entre outras. Chuck cumpriu sua missão com louvor e sua obra supera o teste do tempo, mas, infelizmente, por conta de sua ausência, não teremos mais a oportunidade de desfrutar, com antecedência, como vai soar o metal do futuro.