A voz dá início à canção, entoando a melodia à capela, com forte acento
barroco. A letra fala da velha Inglaterra e, portanto, a pegada folk é mais do
que apropriada. Aos poucos, os demais instrumentos vão se juntando, encorpando
a música, até explodirem no refrão. Essa é Dancing With the Moonlight Knight.
Os timbres de guitarra e melotron, que vão se sucedendo, remetem imediatamente
à década de 70, época de ouro do hard rock e do progressivo, que muitos tentam
reproduzir hoje em dia, falhando miseravelmente no processo.
O Genesis sempre foi uma banda onde os talentos ocupavam uma situação
de equilíbrio entre si. Todos os músicos tinham capacidade acima da média, mas
ninguém chegava a ofuscar a contribuição dos demais. Embora os motivos alegados
para a saída de Peter Gabriel fizessem menção ao incômodo sentido pelos demais
integrantes pela atenção extra que o vocalista recebia, isso se devia mais ao
carisma absoluto do cantor. É certo que, se por um lado, Gabriel, apesar de
possuir uma bela voz, não ter o mesmo alcance de um Jon Anderson ou um Greg
Lake, compensou com uma presença de palco impressionante, que aqueles já não
possuem na mesma intensidade. Tal presença enriquecia as apresentações do grupo
como um todo, mas não evitava que a imprensa, de forma equivocada, acabasse
dando mais destaque à atuação de Gabriel.
Mas, voltando ao disco, a segunda música é o hit I Know What I Like e
eu já li manifestações de má vontade para com a mesma por causa de sua suposta
aura pop. Creio que essa impressão pode ser causada pelo refrão da música, que
realmente tem um gancho fortíssimo, fazendo com que qualquer pessoa o repita após
ter ouvido uma única vez, mas, fora isso - e sem deixar de mencionar que é de
fato um excelente refrão - o restante da música não soa pop de forma alguma. É
uma faixa tradicional do Genesis, mais curta do que as suítes mais badaladas,
mas nem de longe tão pop quanto, por exemplo, poder-se-ia dizer da bela balada
acústica More Fool Me. Saber, aliás, que essa última era cantada pelo baterista
Phil Collins, já apontava para o que o tempo nos revelou sobre este, mas isso é
outra história...
Apesar dessa variedade de percepções entre as faixas do álbum, a sua
audição completa ressalta a fluidez do trabalho. A forma como as canções – e as
variações dentro dessas – se sucedem, sem que haja qualquer quebra abrupta do
clima, faz com que tudo soe, ao final, como uma única longa composição. No seu
decorrer, confirmando que os compositores de rock progressivo da primeira
geração - na maioria egressos dos conservatórios ou das escolas de arte - são
legítimos herdeiros dos autores clássicos, percebemos que os momentos em que a
banda aparece com mais coesão são encadeados com as passagens mais eruditas,
enriquecidas com as intervenções de flauta e oboé, executados por Gabriel. A
peça instrumental After the Ordeal é uma que olha bem para os dois lados:
começa com uma execução bachiana de Steve Hackett e emenda com um
acompanhamento feito pelo restante da banda, numa levada que remete ao King
Crimson antigo, e com uma melodia de guitarra em seu final que faz com que se
deseje que a música não termine ali, prossiga ad infinitum...
Em Firth of Fifth, essa sensação ocorre novamente. Há um trecho
intermediário que começa suavemente, como uma peça de música de câmara, e, se
você não estiver atento, vai se perguntar de onde surgiu o som de guitarra, tal
a naturalidade com que aparece na composição. O instrumento é dedilhado até
repetir o mesmo fraseado que, lá atrás, foi executado na flauta e enche a peça
de coesão.
The Battle of Epping Forest é o momento teatral do disco, onde Gabriel
se deleita na interpretação de vários personagens em uma música, no meio de uma
narrativa sobre briga de gangues. Pela sua estrutura, acaba ficando um pouco
truncada, mas a plenitude retorna com a última grande faixa: The Cinema Show.
De início suave, ela tem toda sua segunda metade ocupada por uma jam
instrumental de êxtase absoluto. Eu teria que procurar alguns outros sinônimos
para o adjetivo beleza, para descrever a contento essa e as demais passagens
instrumentais do álbum.
Mais à frente, Gabriel e Steve Hackett sairam. O Genesis se
descaracterizou aos poucos e obteve um
sucesso extraordinário, fazendo músicas para FMs. Vez por outra os músicos se
reencontram, tiram umas fotos e falam sobre reunião. Dado a disparidade do que
fizeram Gabriel e Collins em suas respectivas carreiras, é melhor deixar pra
lá. A contribuição desse gigante para a música já foi cumprida e é melhor que
ele permaneça adormecido, para que não corra o risco de ser novamente
despespeitado.